As Sátiras contra a Igreja




Em que medida as reminiscências da Antiguidade puderam influir sobre o estado de alma dos construtores medievais? A questão é difícil de resolver; mas permanece certo que eles eram animados de um espírito singularmente crítico.
Primeiramente, do ponto de vista religioso, eles pretendiam não depender diretamente senão do Papa e, deste chefe, eles afirmavam o desrespeito mais flagrante à vista da hierarquia eclesiástica. Sua audácia muitas vezes manifestou-se por caricaturas que eles não temiam talhar da própria pedra das catedrais.
Um monge e uma religiosa representados na mais inconveniente das atitudes decoram a Igreja de São Sebaldo em Nuremberg, e esse assunto escabroso repete-se, entre outros, numa gárgula do Museu de Cluny em Paris.
Na galeria superior da Catedral de Strasbourg, uma procissão de animais é conduzida por um urso que carrega a cruz. Um lobo segurando um círio aceso aí precede a um porco e a um carneiro carregados de relíquias; todos esses quadrúpedes desfilam piedosamente, enquanto um asno aparece no altar, celebrando a missa.
Revestida de ornamentos sacerdotais, uma raposa prega em Bradenbourg diante de um bando de gansos.
Os exemplos dessa natureza abundam. Encontram-se, em particular, juízos finais às vezes muito subversivos no sentido em que, entre os condenados, figuram de modo corrente personagens trazendo coroas ou mitras. O próprio Papa, toucado da tiara e cercado de cardeais, foi entregue às chamas eternas no pórtico da Catedral de Berna.
Esses indícios levam a supor que a iniciação conferida secretamente aos membros das confraternidades de São João não se referia unicamente aos procedimentos materiais da arte de construir.
Certos escultores irônicos puderam, sem dúvida, ser inspirados por rivalidades que, em todos os tempos, opuseram as ordens monásticas ao clero secular; mas outros traduziram de modo manifesto o pensamento de um artista singularmente emancipado para a época.
Oswald Wirth