A
maltratada planta padece em um balde plástico. Improviso meu. Não tenho esse
espírito verde. Não é incomum que me esqueça das poucas plantas que tenho,
quanto mais a romãzeira, ex-bonsai, desengonçada muda que troquei do vaso
original para um balde, ex-lixeira, hoje quase esquecida na sacada. Entre o
morre-não-morre, contudo, parece que preferiu o bem-me-quer, porque floriu, ou
vai florir. São já tantos botões. Seriam mais, se eu contasse o primeiro que, há
alguns dias, destruí sem querer, de tanto espanto. Logo a romãzeira. Logo ela,
meio morrida, meio matada, agora me floresce, ainda floresce, mesmo depois de
meu gesto desastrado e brutal. Impossível não pensar, por isso mesmo, no outro
gesto, desastrado e brutal também, que te levou embora, definitivamente. De
mim, já havias partido, e nunca soube direito o que fazer do teu lugar, porque
volta e meia estavas ali, bem ali e bem aqui, entre livros e músicas, os
melhores que já conheci, assim como contigo foram os dias, — agora eu sei —, os melhores que já vivi, porque foram todos os dias da minha
juventude. Tanto tempo longe, na distância do estranhamento dos que a vida
separou. Saber então da tua morte, saber que ela não foi em paz. Tragédia ou
destino, quem sabe, porque a paz dos rebanhos não seria nunca uma ambição tua.
Tristeza. Mas tristezas são já quase banais para mim, agora que fiquei por
último, despossuída de quatro décadas de vida, memórias escritas nas areias do
mar. Tornada alma desgarrada, olho em volta. Busco sinais. Afinal, sempre havia
planos, chamados, esperas. Agora não há mais. Exceto a romãzeira, a prometer
florações e, quem sabe, até improváveis frutos. Exceto esta minha frágil romãzeira,
que agora me parece tão misteriosa e mágica quanto a Esperança, remédio dos
desenganados, eu sei. Logo ela, de longe aparentada com a Acácia, esta que tu
conhecias tão bem.