O mundo dos deuses gregos


O mundo dos deuses gregos é um mundo hierárquico. Foi precedido pelo Caos, massa informe e abissal que continha, em estado latente, o gérmen de tudo aquilo que daí viria a emergir mais tarde. De uma parte do Caos surgiu a Terra, Gea, assim como o Amor, Eros; de outra, as Trevas e a Noite, Érebos e Nyx.
Gea gerou Urano, e ambos se uniram depois para gerar os doze Titãs: seis do sexo masculino e seis do sexo feminino. Geraram também três Ciclopes, monstros de um único olho circular na face, que forjavam os raios de Zeus. Mas Urano odiava os seus filhos Titãs, assim como os Ciclopes e também os seus filhos Hecatônquiros, que tinham cem mãos. E, por odiá-los, devolveu-os ao seio de Gaia que, indignada, suscita contra o pai seu filho Cronos. Este, com uma foice, mutila o pai e, do sangue derramado, surgem as Erínias, os Gigantes, as Ninfas. Antes de morrer, porém, Urano prediz a morte de seu filho Cronos, afirmando que também ele morreria nas mãos de um de seus filhos. Temendo a profecia, Cronos passou a devorar cada um de seus filhos já enquanto nasciam. Zeus, porém, que nasceu em Creta, foi ocultado do pai por sua mãe Rea, que deu a Cronos uma pedra enrolada em um pano que ele prontamente devorou.
Zeus, que cresce amamentado pelo leite da cabra Amaltea, obriga o pai a devolver os filhos engolidos, inclusive a pedra devorada em seu lugar, esta última vomitada como sinal para os humanos, permanecendo depois em Delfos. Com a ajuda dos irmãos, Zeus luta contra o pai, mas, dos Titãs, apenas Oceano, Têmis e Mnemósine se colocam a seu lado. A guerra durou dez anos, até que Zeus, aconselhado por Gea, liberta os Ciclopes e os Hecantônquiros que ainda se mantinham aprisionados no seio da esposa. Com a ajuda deles, vence Cronos e seus Titãs, arrojando-os ao Tártaro sob a vigilância dos Hecantôquiros. Cronos, porém, teria conseguido passar à Itália onde, sob o nome de Saturno, tornou-se deus da fertilidade. Durante as festas que eram dadas em sua homenagem, — as Saturnais —, os senhores serviam aos seus escravos.
Mas Gea, irritada com a derrota imposta aos filhos, suscita contra Zeus um monstro, Tifeo, dragão que desprende fogo e vapor, que também é precipitado ao Tártaro por Zeus, que o fulmina com um raio. Segundo outra tradição, porém, Tifeo é precipitado para o fundo do monte Étna, de onde segue cuspindo fogo. Os gigantes, seres descomunais com cauda de serpente, também se erguem contra Zeus, disparando, contra este, pedras e troncos de árvores em fogo, ao que Zeus responde com raios. A vitória, ele a obtém com a ajuda de Hércules e de suas flechas. Único soberano saído dessas lutas, Zeus reparte o universo com seus irmãos Posseidon, e sua esposa Nereida, filha de Nereu, com quem tem o filho Tritão, que fica com o mar, e Hades, que fica com os infernos.

Fonte: SCHWAN, Gustav. Las más belas leyendas de la Antigüedad Clásica. Barcelona: Labor, 1955.
Imagem: Nicolaes Pieterszoon BerchemThe infancy of Zeus. Wikimedia Commons.

Casanova e a pedra filosofal


On travaille à la pierre philosophale, et on ne s'en desabuse jamais.
J. Casanova de Seingalt

Examinando o manuscrito das memórias de Casavova que, finalmente, ―  foram necessários duzentos anos para que pudéssemos desfrutar desse tesouro ― estão disponíveis na Biblioteca Nacional de França, deparei-me agora mesmo com esta frase. Por razões que nos escapam,  dentre outras mudanças arbitrárias que o texto original sofreu , ela foi omitida da página 365 da edição francesa publicada sob o título Mémoires de J. Casavova de Seingalt écrits par lui-même suivis de fragments des mémoires du prince de ligne, Paris, editado pela Librairie Garnier Frères, provavelmente em 1933. 

A figura acima corresponde ao recorte tomado a uma das 3.700 páginas manuscritas. Dei-me ao trabalho de limpar a imagem com a ajuda de um editor. Preservei a frase apenas. Trabalha-se a pedra filosofal e dela não se nos desiludimos jamais, disse ele, numa tradução livre, uma vez que não existe, em português, construção gramatical equivalente. Não que fosse um místico. Apesar de ter feito história também entre os magos de seu tempo, Casanova, se alguma coisa encontrou na famosa pedra, não foi senão aquilo que consistiu, para ele, no centro de sua vida: a liberdade.

Sem qualquer outra pretensão ou ambição que não fosse entregar-se livremente ao ato de viver, sem renunciar a prazer algum que seus sentidos pudessem lhe entregar, ele fez história e entrou nela desabusadamente. Deixou sua marca não apenas porque foi um grande sedutor, mas ainda ― coisa inesperada ― na literatura universal, onde se fez o centro de uma das mais duradouras polêmicas acerca de suas controvertidas memórias.