O "eu" e a consciência


Há sonhos e visões tão superiores que certas pessoas se negam a reconhecer uma psique inconsciente como sua origem. Preferem supor que tais fenômenos provêm de uma espécie de"supraconsciência". Elas fazem distinção entre um tipo de inconsciente fisiológico ou instintivo e uma esfera ou nível de consciência "acima" da consciência, chamando-a de "supraconsciência". Na realidade esta psique, denominada pelos filósofos indianos consciência "superior", corresponde ao que no Ocidente se chama "inconsciente". No entanto há uma série de observações que quase sugerem a possibilidade de uma consciência no inconsciente, como por exemplo certos sonhos, visões e experiências místicas. Se supusermos porém uma consciência no inconsciente, ver-nos-emos de imediato diante do fato de que não pode haver consciência sem um sujeito, isto é, um eu com o qual os conteúdos estejam relacionados. A consciência precisa de um centro, de um eu que tem consciência de algo. Não conhecemos qualquer outro tipo de consciência, nem podemos imaginar uma consciência desprovida de eu. Não pode haver consciência sem alguém que diga: "eu tenho consciência".
Não vejo qualquer mérito em especular sobre coisas que não podemos saber. Abstenho-me portanto de fazer afirmações que ultrapassem os limites da ciência. Nunca pude descobrir algo assim como uma personalidadeno inconsciente, comparável ao nosso eu. Embora um "segundo eu" não possa ser encontrado (exceto em raros casos de dupla personalidade), as manifestações do inconsciente denotam pelo menos vestígios de personalidades. Um exemplo simples disso é o sonho em que uma série de pessoas imaginárias ou reais representam um pensamento do sonho. Em quase todas as dissociações importantes as manifestações do inconsciente assumem um forte caráter de personalidade. Mas um exame cuidadoso do comportamento e dos conteúdos espirituais dessas personificações mostram seu caráter fragmentário. Parecem representar complexos cindidos de um todo mais amplo, e podem ser tudo menos o centro pessoal do inconsciente.
JUNG