A ideologia do complô é o ópio
dos vencidos. Os vencidos da História explicam porque eles perderam, como a
"Ordem Natural" foi substituída pelo domínio do mal. É uma ideologia
do ressentimento. É igualmente por onde os perdedores compensam sua amargura:
eles são, apesar de tudo, "iniciados"; eles sabem. A formação de uma
contra-conspiração de iniciados valoriza-os. Valorização ilusória, que em nada
altera a situação, mas que lhes põe um bálsamo nos corações. Que as nostalgias
do stalinismo denunciem complôs da Nova Direita, isso não reerguerá o Muro de
Berlim nem apagará as catástrofes e os massacres engendrados pelo
"socialismo real”.
A ideologia do complô é a recusa
do trágico, o sonho de um mundo definitivamente pacificado, de uma "solução
final" para o problema da História. À figura transcendente do Mal,
essência atemporal da qual os maçons, os judeus e os feiticeiros são apenas os
reflexos contingentes, deve se opor aquela não menos transcendente do Bem. O
Bem será o retorno à Ordem, à Moral, à Igualdade. Esta escatologia que não tem
nenhum nome deve se impor (não é uma questão de livre escolha), sem ser muito
mesquinha quanto aos meios, quer se tratem de fogueiras ou de campos de
concentração. O Mal age na sombra, de modo desleal; o Bem têm, pois, todos os
direitos: "Não há liberdade para os inimigos da Liberdade". Não se
combate o inimigo, se o extermina. Se todo conflito é moral, então é preciso
atacar definitivamente os escudeiros de Satã, aqueles que se opõem ao desdobramento
da ordem natural como um fim da História e triunfo do Bem. O Mal deve ser
eliminado para dar lugar ao Bem (o Reich de Mil Anos, a sociedade comunista, a
Nova Ordem Mundial). Trata-se simplesmente de legitimar um contra-complô
autoritário.
A ideologia do complô repousa, no
Ocidente, sobre uma visão de mundo bastante precisa, aquela veiculada por um
cristianismo esquecido de sua herança europeia, pagã e plurivocal, e fascinada
pela tentação de uma transcendência absoluta, encarnada por um deus único, todo
poderoso e colocado fora do mundo. Nesta visão, como na caverna de Platão, o
mundo não tem consistência. Ele é apenas o teatro do enfrentamento do Bem e do
Mal. A partir daí não se trata de abrir-se para o mundo, de compreendê-lo. É
preciso, ao contrário, descobrir o segredo escondido que é dado à priori. Não
se procura nunca aquilo que já se sabe. É preciso encontrar as pistas, os
vestígios do complô. Trata-se bem de uma visão policialesca e moral do mundo,
onde o pensamento é de fato abolido, onde os culpados são apontados de antemão.
Trata-se apenas de desmascará-los. Atrás do mundo, é preciso desenterrar o além-mundo, onde está a verdade. A
vida é apenas uma busca, uma escuta, uma surpresa. O esquecimento do Ser dá
lugar aos alucinados dos além-mundo.
A ideologia do complô é o degrau zero da inteligência.
CARLIER, Michel. " La
théorie du complot", Points de vue, n° 11, 1994.
Nota: O além-mundo, de Nietzsche: "Um dia Zaratustra arremessou sua ilusão para adiante dos homens, semelhante a todos os alucinados do além-mundo", ou seja, os filósofos idealistas que ele desejava criticar para reafirmar o mundo sensível.
Nota: O além-mundo, de Nietzsche: "Um dia Zaratustra arremessou sua ilusão para adiante dos homens, semelhante a todos os alucinados do além-mundo", ou seja, os filósofos idealistas que ele desejava criticar para reafirmar o mundo sensível.
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