Reflexão



Quando um determinado grupo, uma vez investido no poder e ali estabelecido por décadas, assume o controle econômico, social, artístico-cultural e mesmo intelectual, não se pode imaginar ― teoricamente falando ― que ele possa ser afastado do poder por um processo eleitoral que sofre inequívoca influência econômica, social, artístico-cultural e intelectual.
Como escapar de um aparelhamento tão profundamente arraigado?
O controle da economia, do repasse ou da privação de boa parte dos ativos circulantes; o controle social, do trabalho ao laser; o controle artístico e cultural, por um processo de financiamento que se associa ao capital e que promove a ou b, guindando-os, se não à glória, ao sucesso; o controle intelectual, com a prevalência de um pensamento que tende à unificação prescritiva simultaneamente à proscrição de velhas fórmulas, primeiro desqualificadas e depois afastadas.
Como vencer um poder que se estabelecesse sobre semelhantes bases?
Pergunto-me, procurando compreender, o que explica um processo eleitoral onde vimos prevalecer, pelo sufrágio, uma representação que não detinha o poder econômico, que era sem representatividade social, que era absolutamente inexpressiva no campo artístico-cultural, para dizer o mínimo, e que, do ponto de vista da expressividade ou relevância intelectual, sem dúvida, nula?
Não posso responder. Mas posso refletir sobre o que escaparia a tal aparelhamento, por exclusão. Saber o que tais forças não poderiam afetar sensivelmente ou cooptar.
Até que ponto o intelecto, ufano do estatuto de cientificidade que confere aos seus presumidos saberes, não despreza o pensar prosaico do homem comum? Do pacato cidadão que não entende nada de arte moderna, que mal suspeita de seu engajamento e que se contenta em saber o que é indispensável ao seu agir. Sofrendo todos os efeitos de uma economia que se voltou à satisfação de políticas partidárias em detrimento das políticas públicas, ele se debate diante de um mundo compreende cada vez menos.
Pela própria simplicidade de sua visão de mundo, este homem comum não se colocaria ele mesmo a salvo dos engajamentos político-partidários ao mesmo tempo em que se mostraria suscetível à fidelidade, ou antes, à fé. Aderir a uma fé é simples, é como entregar-se ao maravilhoso, deixar-se contagiar pelo mágico que nunca deixou de influir, inclusive, sobre espíritos eminentes. Gustave Le Bon já nos advertiu de que, há 8.000 anos, se edificam templos: pagodes, mesquitas ou catedrais. Tais monumentos, além de materializarem o grau máximo de expressão artística de povos e de nações, tenham o nome que tiverem, nascem de um sentimento idêntico: a Esperança, para Le Bon, aliás, o único deus.
Sem suscitar as velhas explicações na ordem metafísica, fato é que talvez exista, subjacente à nossa racionalidade, a estranha necessidade de crer.
E, se for assim, aquele que crê se tornaria forte, menos pelo poder temporal que de fato exercesse do que pelo poder espiritual que ele pudesse afetar diante dos outros.

É que, às vezes, muitas respostas explicam bem menos que boas perguntas.
Fico com as últimas. 
São as dúvidas e não as certezas que me seduzem.