Assimilação

O deserto que petrifica, também dissolve e assimila. Ação do vazio sob a luz intensa, direta, que não admite nem mesmo o alívio das sombras. Como representar esse processo doloroso que acontece quando, de roldão, nossa individualidade se relativiza, dissolve e é, enfim, passivamente assimilada? Perder-se de si é expor-se, passivamente, a esse processo. Em que pese o espaço do si mesmo se dimensione de mil maneiras e não corresponda sempre exatamente àquilo que se entende como zona de conforto, ainda assim, é ali o lar do eu de cada um, eixo em torno do qual gravitamos quando tudo o mais é não eu. Existir é contrapor-se ao mundo. Existir é conhecer a dor de uma consciência que só se assimila pela entrega consciente: pelo arcano sacrificial.

Da lisonja & da Vaidade

Verdade que nem sempre há sinceridade nas críticas. Muitas têm por objetivo a desqualificação, seja da criação, seja do criador. Mas a lisonja, os elogios demorados, todo aquele mel que envolve as palavras... Ah, não vale a pena acreditar nisso.
Por outro lado, vale a pena observar de quem parte a lisonja, não raro uma habilidade que, bem manejada, leva muita gente muito longe.
Investir na arte de lisonjear seguramente tem retorno mais rápido e lucrativo. Aliás, há mestres nisso, não tanto pela própria competência quanto por nossa infeliz tendência a acreditarmos em tudo que nos valoriza. No fundo, no fundo, a velha vaidade, vaidade, sempre a vaidade.


Íncubos e Súcubos

Da biblioteca dos Mestres do Imaginário, a obra na qual Sinistrari desenvolve a originalíssima teoria segundo a qual haveria animais racionais íncubos e súcubos, dotados, como os homens, e corpo e de alma e igualmente redimidos por Jesus Cristo e passíveis de salvação e danação.

Amorosas Mães

Mil Marias, Ave. Amorosas mães cujo manto encobre e protege. De onde esses mitos femininos que povoam as coletividades tão regular e insistentemente? De onde essa necessidade de preservar a ideia de um feminino fértil, que concebe e gesta. Receptiva de todas as inconsciências, ela transmuta desejos inconfessados de proteção. O grande útero acolhedor que guarda e preserva persiste sempre como figura talvez maior dentre as que povoam o universo simbólico.

O Meu Alquimista

Personagem de mil faces. Seria ele um bastardo indesejável que se descartara no mundo? Ou seria apenas um homem cuja fantasia extrapolara os limites do real? Mas os limites são do real ou, ao contrário, são nossos? Como saber o que o real não nos entrega? E até que ponto todo chumbo não tem de ouro o que o ouro tem de chumbo? Assim o sentido dessas palavras desconexas que você encontra, ou não. 
E com a vida? 
Não é diferente nesse solve e coagula, dias e noites, alegrias e tristezas. Os contrastes que nos polarizam ao aguardo dos mistérios do vir a ser que é sempre, e ainda, nós mesmos.

A Boca do Inferno

Mestre de Catarina de Clèves, A Boca do Inferno, 1440, 
Nova York, Pierpont Morgan Library.
ECO, Umberto (org). História da Feiura. Rio de Janeiro: Record, 2017.