Que tal sugerir a magia como uma espécie
de metafísica empírica ou experimental? Por que não? Vivendo o tempo em que o chamado
magnetismo animal esteve em alta e, junto a ele, o hipnotismo de salão, não é
de admirar que Schopenhauer tenha se permitido examinar todos esses fenômenos,
encontrando neles uma confirmação de sua filosofia.
Esse magnetismo animal expressaria
nada menos que a própria vontade, a vontade em si. Ela faria mesmo
desaparecerem as barreiras individuais. Entre o magnetizador e o sonâmbulo, o
estado de clarividência também escaparia ao mundo fenomenal, sujeito ao tempo e
ao espaço, à proximidade e a distância, ao presente e ao futuro. Assim, a
despeito de inúmeras razões e preconceitos, difundia-se a opinião, que
aos poucos alcançava o status de certeza, de que o magnetismo animal e os seus
fenômenos seriam em parte os mesmos da antiga magia, essa arte antiga e maldita tão duramente perseguida não apenas nos séculos cristianizados como ainda em
todos os tempos e entre todos os povos, inclusive selvagens. De notar o quanto
foi punida, seja pela Lei das XII Tábuas, seja pelos livros de Moisés, seja pelo
XI Livro das Leis de Platão. As chamadas curas simpáticas estariam também aí
incluídas.
Maleficium et Fascitatio...
O modo de conhecer que nos é natural
não permite a percepção imediata das coisas. [Somos mediados pelos sentidos.]
Se nos fosse dado, todavia, perceber as coisas em si, só então poderíamos rejeitar a priori o pressentimento do amanhã ou a parição dos mortos. É que
acreditamos em uma física, não em uma metafísica, e é por aí que se decreta que
não há uma magia natural. Todavia, em
todas as épocas e lugares, se alimentou a crença de que, além da maneira normal
pela qual se produzem as trocas via relações causais, deveria existir algo
inteiramente diferente, que não dependeria dessas relações. E, mesmo no domínio
da causalidade, em que agimos como natura
naturata, também poderíamos agir como natura
naturans, quando o microcosmo pode ser, por um instante, macrocosmo,
ultrapassando o muro de separação que o princípio de individuação e do isolamento constitui.
A tal ideia, contudo, se oporia a experiência, é verdade. Contudo, haveria um
sentimento interior todo-poderoso da vontade, essência íntima do homem e da
natureza. Na vontade agiria o próprio poder mágico. As ações, as palavras, as
conjurações enfim seriam veículos por meio dos quais o ato de vontade
individual que deve agir magicamente deixaria de ser um simples desejo para revestir-se
de um corpo.
A Igreja perseguiu a magia, sobre a
qual foram superpostas intenções frequentemente criminais, mesmo diabólicas.
Esse zelo, contudo, teria surgido em parte de um pressentimento obscuro e
inquietante de que a magia nos remeteria ao seu verdadeiro lugar: o de uma
força original: Urkraft, em alemão,
força primária, enquanto a Igreja, por sua vez, se encontraria fora da Natureza,
seria exterior a ela. Essa força primária não estaria nem no inferno nem nas
estrelas do céu, mas dentro de nós, como espírito que nos habitaria, e Schopenhauer
nos lembra, ao final, Agrippa de Netteshein, que escreveu exatamente isso: “Nos
habitat, non Tartara, sed nec sidera coeli, Spiritus in nobis qui viget illa
facit”.