Na introdução à peça IN NOMINE DEI, escreveu Saramago:
‘Entre o homem, com a sua razão,
e os animais, com o seu instinto, quem, afinal, estará mais bem dotado para o
governo da vida? Se os cães tivessem inventado um deus, brigariam por
diferenças de opinião quanto ao nome a dar-lhe, Perdigueiro fosse, ou
Lobo-d’Alsácia? E, no caso de estarem de acordo quanto ao apelativo, andariam,
gerações após gerações, a morder-se mutuamente por causa da forma das orelhas
ou do tufado da cauda do seu canino deus? Que não sejam estas palavras tomadas
como uma nova falta de respeito às coisas da religião, a juntar à Segunda Vida
de Francisco de Assis e ao Evangelho segundo Jesus Cristo. Não é culpa minha
nem do meu discreto ateísmo se em Münster, no século XVI, como em tantos outros
tempos e lugares, católicos e protestantes andaram a trucidar -se uns aos
outros em nome do mesmo Deus — In Nomine Dei — para virem a alcançar, na
eternidade, o mesmo Paraíso. Os acontecimentos descritos nesta peça
representam, tão-só, um trágico capítulo da longa e, pelos vistos, irremediável
história da intolerância humana. Que o leiam assim, e assim o entendam, crentes
e não crentes, e farão, talvez, um favor a si próprios. Os animais, claro está,
não precisam.”
SARAMAGO, José. In
Nomine Dei. Lisboa: Editorial Caminho, 1993, p. 9-10.
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