O sol até pode estar brilhando neste domingo, mas minha ideia hoje é mais sombria. Vamos falar um pouco sobre o medo? Sem dúvida, o medo é a mais profunda e visceral de nossas emoções. Ele está gravado em nossos corpos e mentes ― quem sabe em nossos corações até ― desde que os primeiros humanos apareceram neste planeta, expostos a perigos constantes. O medo é, portanto, uma emoção básica, essencial à nossa sobrevivência. Quem de nós já não sentiu um arrepio na pele ou o coração acelerado? Não são estes sinais de nosso corpo avisando sobre algo pode estar errado? Que é hora de fugir? Ou, quem sabe, que é hora de lutar? O medo existe, ora. E ele tem sua utilidade como guia silencioso que pode nos prevenir e nos proteger de ameaças concretas e ― quem sabe? ― de outras cuja natureza desconhecemos e talvez apenas suspeitemos.
Afinal, não há um medo que transcende a simples autoproteção física? Creio que sim, e que podemos chamá-lo de “medo do desconhecido”. Profundamente enraizado na própria cultura humana, o medo do desconhecido alimenta nossa imaginação e creio que já serviu de inspiração às mais aterrorizantes narrativas de horror e fantasia, mormente nas produções artísticas e culturais. Sabidamente, tudo aquilo que não podemos ver ou entender desperta temor e curiosidade. Civilizações inteiras, da antiguidade à contemporaneidade, criaram mitos, lendas e contos fantásticos em torno do invisível e do incognoscível. É deste medo daquilo que está além dos nossos sentidos que nasce, em termos culturais, o chamado gênero do horror e do fantástico, brindando-nos com monstros que moram no escuro e com forças sobrenaturais que desafiam nossa compreensão.
Por mais racionais que sejamos, nossa mente é às vezes impotente diante do inexplicável. É aí que a religião entra em cena, oferecendo um caminho para aplacar nossos medos e ansiedades. Desde os mitos antigos até as práticas religiosas modernas, buscamos maneiras de "exorcizar" aquilo que nos aterroriza. Pense nas histórias de fantasmas, nos vampiros do folclore europeu, nos lobisomens que habitam as florestas escuras. Em muitas culturas, encontramos rituais e simpatias para afastar o mal, para proteger o lar das almas inquietas e dos espíritos vingativos.
Em diversas tradições, existem atos a serem evitados para não atrair má sorte ou espíritos malignos. No Brasil, por exemplo, algumas simpatias envolvem colocar vassouras de cabeça para baixo atrás da porta para afastar visitas indesejadas ou espíritos, ou deixar um prato de sal grosso em um canto da casa para purificar o ambiente. As benzedeiras do interior sabem bem como utilizar ervas e rezas para quebrar mau-olhado e espantar o mal. São pequenas magias cotidianas, guardiãs de uma sabedoria ancestral.
Eu diria que somos atraídos pelo que não conhecemos, e que esta atração não exclui mundos ocultos e invisíveis que abrigariam forças e seres que estão muito além da nossa compreensão. Não é por acaso que, ao longo dos séculos, surgiram livros cujo objetivon é o de nos ensinar a arte da magia, o domínio do sobrenatural. Quem não conhece São Cipriano, o famoso "Livro de Capa Preta"? Os grimórios das bruxas foram passados de geração em geração, carregando instruções para lidar com o que escapa aos olhos mortais.
O Grimorium Verum, um antigo manual de conjuração de espíritos, não foge à regra. Esses textos, envoltos em mistério e lendas, prometem não apenas a comunicação com o sobrenatural, mas também controle sobre ele, com promessas de poder e proteção contra tudo o que nossa limitada racionalidade não consegue explicar.
E agora que já entendemos melhor o medo e o fascínio que desconhecido desperta em nós, que tal colocarmos pouco de magia em prática? Aqui vai uma sugestão de feitiço simples para afastar fantasmas e espíritos inquietos. Você pode tentar em casa — afinal, nunca se sabe quando uma visita do além pode chegar!
Você vai precisar de um pote de vidro pequeno com tampa. Consiga um raminho fresco de arruda, três cravos-da-índia, três pitadas de sal grosso, um quadrado de papel branco rasgado com a mão e lápis preto. Nesse quadrado de papel, você escreve com letra caprichada a seguinte frase: "Vagantes spiritus, qui huc adveniunt, pacem inveniant et viam sequantur. Quos lux dirigat, et omnis metus a sacra domo tollatur.[1]" Acenda uma vela branca e, vá colocando no pote o raminho de arruda, os cravos e o sal. Leia por três vezes e em voz alta o texto acima, coloque o papel no pote, feche a tampa e, por cima, pingue três gotas da cera ou parafina da vela. Apague a vela e seu pote está pronto. Esconda-o perto da porta de entrada de sua casa. Ao final dos sete dias, jogue o conteúdo fora em um jardim ou em um lugar com terra, agradecendo pela proteção.
Este é um ritual simples para proteger sua casa das energias indesejadas, mas nada impede que você crie seus próprios rituais, especialmente se conhece a natureza mágica dos materiais empregados.
Aliás, caso você deseje adaptar e criar feitiços, lembre-se de conhecer a natureza dos materiais empregado e de suas “propriedades mágicas” sempre incorporadas conforme sua natureza de um lado, e de nossa intuição de outro. Lembre-se, por exemplo, do enxofre, tradicionalmente utilizado para “queimar” energias negativas. Um punhadinho de terra, coisa simples em si, é símbolo de estabilidade e pode “ancorar” feitiços e magias. E a areia da praia? Ela carrega a energia do mar e traz renovação. É ideal para rituais que buscam limpar energias estagnadas e trazer novas vibrações para dentro de casa. E, caso você tenha mesmo alma de bruxo, colha, ao nascer do sol, diretamente em um pequeno cálice de cristal, gotas de orvalho. Elas abrigam pureza e renascimento. Lembre-se de aguardar consigo penas de pássaro que venha a encontrar. Elas guardam a energia do elemento ar e permitem a comunicação com o mundo espiritual. Penas de corvo, por exemplo, são conhecidas por afastar o mal, enquanto penas brancas invocam a paz.
Combinando esses e outros materiais, você pode criar seus próprios feitiços. A natureza mágica dos materiais está em sua capacidade de amplificar suas intenções. Sinta-se livre para explorar suas energias. Mas nunca se esqueça de ser grato.
O medo habita em nós. Nosso caminho tem dias e noites, luz e trevas. Há fronteiras sutis que nos desafiam constantemente e que nos tornam humanos capazes de criar não apenas com que nos encanta como também com que nos aterroriza. Somos seres cambiantes e paradoxais, existindo entre o real e o imaginário. Ora seguros, ora inseguros, somos todos parte desse grande espetáculo protagonizado pela vida e pela morte. Ah! Os Mestres do Imaginário desejam ótimo domingo para você!
[1] "Que os espíritos errantes que aqui chegam encontrem paz e sigam seu caminho. Que a luz os guie, e que todo o medo seja removido deste sagrado lar."