Meteorologia Sagrada

"O Vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito".
João 3:8

Esta semana me deparei com o testemunho de uma beata que me deu muito que pensar. Ao escrever para o seu atual guru espiritual, um sujeito que, pela foto, bem poderia exercer com sucesso o papel de galã de parquinho de diversões, ela testemunhou, entre outras coisas não menos curiosas, que a força de deus em sua vida se fez sentir através do vento do espírito santo. Por acaso, faço uma boa idéia do poder meteorológico desse vento sagrado que, certamente, varreu para bem longe desta devota o seu maior desafeto, deixando-a, porém, na posse da mais santa paz material, coisa que só a plena satisfação da cupidez de gente assim é capaz de proporcionar.
Em que pese o lado hilariante da colocação, não é menos doloroso constatar que a tão alardeada espiritualidade alcançada pela fé desta beata, neste caso, nada tem a ver com a bela passagem documentada no evangelho de João, que destaca o caráter completamente aleatório que acompanha a experiência mística do encontro com o divino, onde existe, de fato, o emprego da metáfora que alude ao vento que sopra onde quer, ou seja, enfatizando que o homem não dispõe de nenhum poder para determinar a direção dos caminhos que, a partir de sua experiência de fé, sua vida irá presumivelmente tomar.
É por isso que, cada vez mais, desconfio dos que pretendem deter as respostas e negociá-las. É por isso também que, no fundo, me choca ver a que ponto pode chegar a ambição humana, quando pretende que as forças ditas divinas se encontram ao dispor de seus interesses econômicos, de suas frustrações e de suas mais vis mesquinharias. A protagonista desse espetáculo de orgulho, no entanto, é de fato uma grande vitoriosa, e eu não duvido nem um pouco do poder do qual dispõe, discordando tão-só da natureza deste tal poder, que resulta mesmo é do fato de ser mais fácil, para muita gente, entregar os pontos, e deixar o caminho livre aos ambiciosos, a fim de que eles, ao menos, se distanciem de nós, levando para bem longe o espetáculo da sua histérica redenção, bem como nos poupando do testemunho das vitórias que costumam alcançar sobre os seus inimigos, ou seja, quem quer que não compartilhe de suas opiniões e não comungue de suas idéias.
Por essas e outras, se deus existe, sou imensamente grata a ele por me permitir viver prescindindo de sua divina presença, aqui na minha mais profunda solidão. Talvez seja este o maior privilégio dos deserdados do espírito, dos vagabundos espirituais que seguem pela vida contentes apenas daquilo que encontram sem procurar; sempre, porém, prontos a perder o que mais amam, pois há lutas que não valem a disputa que requerem. Se o orgulho pode às vezes valorizar o orgulhoso, a ambição sempre rebaixa o ambicioso, e há troféus que ficam bem melhor na estante dos que nos tem por adversários ameaçadores. Cá entre nós, há quem mereça chegar aonde chegou, e aonde certamente vai conseguir chegar. Gente que tem mesmo de soltar suas aleluias, bem alto, pelo mundo afora. Há nelas um mérito nauseante que não se pode deixar de reconhecer e aplaudir.