Leio de tudo. Dos clássicos e acadêmicos até almanaques populares e bulas de remédio. Excluindo revistas em quadrinhos, devoro qualquer tipo de literatura, mesmo aquela vista como dejeto cultural. Certamente já li e escrevi muita coisa, traduzi outras tantas, e meus arquivos estão cheios de traças que vieram das alturas do Himalaia. Este blog, então, vai ser o canal de saberes fragmentados, oficiais e oficiosos, que os Mestres do Imaginário oferecem a nossa indiscrição.
Vitrais
Agrada-me, sobretudo, a luz filtrada pelos vitrais, que parece purificada ao adentrar pelos templos. Encanta-me o cheiro de flores, poeira e incenso que impregna esses lugares de devoção. Sejam simples ou grandiosos, todos eles possuem em comum esse ar que, inalado, circula no sangue e nos altera. Pouco importa o culto ou o deus, a devoção é meio instinto, meio desvio, necessidade talvez de se transcender a própria humanidade, apenas para recair nela.
Novena a Santo Antônio
NOVENA A SANTO ANTÔNIO
Durante nove terças-feiras, acenda uma vela e reze cinco pais-nossos, cinco ave-marias e cinco glórias-ao-pai. Ofereça as orações a Santo Antônio e faça cinco pedidos. Desses cinco pedidos, dois devem ser bem difíceis e três mais fáceis. Apague a vela quando terminar os pedidos. Na última terça-feira da novena, deixe a vela queimar até o fim. Quem não tiver fé, ficará comovido ao ver suas graças abençoadas.
Passe uma cópia com uma vela a cada terça-feira das novenas. Se não tiver a quem passar, deixe numa igreja.
Observação: Logo na 2ª terça-feira já alcançamos uma graça impossível.
Memória
Lembrar é uma necessidade. Queremos ser lembrados, e a lembrança é, em si mesma, uma espécie de imortalidade. Nessa ânsia de não sermos esquecidos, importa referir a presença da memória e da identidade, uma ligada à outra, mas nem por isso tornadas fixas como conceitos. Nossas lembranças estão sempre em construção e em relação complexa com o meio, com os outros e conosco mesmo, na mais profunda subjetividade de cada um de nós. Somos um eu intuitivo que interage com os outros, construindo referências que devem ser fixadas, sem que se prescinda da escolha do que deve ser lembrado e do que deve ser esquecido, num trabalho seletivo e discricionário constante.
Nossa memória, da mesma forma que nossa identidade, ainda que dinâmicas ― posto que em permanente construção ― inserem-se em um contexto de vida real, de trocas sociais, onde há lugar para acontecimentos que a sociedade ritualiza. O nascimento, os aniversários, os casamentos, as passagens e as transformações que a vida impõe reclamam ser moldadas como recordações e, para tanto, muito se constrói, tanto individual quanto socialmente, ao compartilhar esses diversos estágios da existência.
A vida, contudo, termina, e a morte é, em todas as culturas, algo marcante que integra a própria existência que tem fim com a morte, num ciclo que já inspirou a criação das mais variadas formas de expressão. Objeto de simbolização e associação com animais e plantas, como o galo e o cipreste, a morte origina ritos. Por causa dela, lugares de memória são criados, lugares que surgem de um sentimento que reclama organização, desafiando a invenção de modos de registros, de arquivos, de símbolos com os quais interagimos constantemente.
Os cemitérios são lugares de memória tanto de mortos quanto de vivos que ali prestam homenagem aos que se ausentaram definitivamente de suas vidas. São espaços, todavia, que muito nos contam das cidades onde são construídos, dando testemunho de hábitos, de costumes, de fé, de um passado habitado pelos mortos. Cada um é único à sua maneira, sem que, todavia, possamos deixar de neles encontrar determinados símbolos que se repetem com insistência, tais como a figura dos anjos da solidão, da cruz das almas, da palavra saudade, dos ciprestes, etc. Existe toda uma arte funerária voltada para essa peculiar simbologia, onde a morte é ritualizada, e a dor é retratada como desolação, não sem que se dê margem à presença da esperança e da fé, o consolo religioso de uma outra vida e da redenção.
Palavra Perdida e Nomes Substitutos
...De outra parte, durante a destruição do Templo de Jerusalém e a dispersão do povo hebreu, perdeu-se a pronúncia verdadeira do nome tetragramático. Ainda que substituído por outro nome, o de Adonai, este nunca foi considerado como o equivalente real daquele que já não se sabia pronunciar. Com efeito, a transmissão regular da pronúncia do principal nome divino[1], há-Shem ou o Nome por excelência, estava essencialmente vinculada à continuidade do sacerdócio, cujas funções só poderiam ser exercidas no Templo de Jerusalém. Desaparecido o Templo, a tradição hebréia restou inevitavelmente incompleta, como, de outra parte, fica suficientemente provado pela interrupção dos sacrifícios, quer dizer, daquilo que constituía a parte mais “central” dos ritos da tradição, assim como o “Tetragrama” ocupava uma posição verdadeiramente “central” em relação aos demais nomes divinos[2]. Com efeito, o que se havia perdido era verdadeiramente o centro espiritual da tradição. Além disso, considerando um exemplo como este, é particularmente evidente que o fato histórico em si, que em absoluto é duvidoso como tal, não poderia ser separado de seu significado simbólico, onde reside, no fundo, toda sua razão de ser, e sem a qual seria completamente ininteligível.
Equivalências
Os animais cabalísticos da visão de Ezequiel e do Apocalipse encontram-se no simbolismo hindu. A Águia, cujo olhar penetra todas as coisas, aí representa a ubiqüidade, enquanto o Touro figura o poder gerador em sua mais alta acepção; o Leão é, de outra parte, a imagem da força ativa ilimitada do Universo, e o Anjo relaciona-se à fecundidade intelectual. Quanto à serpente Amanta, ela corresponde ao Rio-Oceano da vida universal, cuja corrente carrega as individualidades até que elas hajam conquistado sua liberdade, unindo-se a Brahma (O Grande Arquiteto).
OW
Por falar em destino
Para os adeptos, crentes e praticantes, o Tarô, em suas grandes linhas representativas, refletiria o funcionamento de leis invisíveis, permitindo a sua utilização supostamente harmoniosa, bem como revelando a via de acesso a certo número de informações que o mundo concreto não poderia fornecer através das ciências visíveis. Evidentemente, utilizar as lâminas como ferramenta de pesquisa dessas leis ocultas da natureza constitui-se em uma grande polêmica que não nos cabe analisar aqui, muito embora a própria literatura dirigida aos praticantes apareça repleta de alertas sobre os perigos de entregar-se à sondagem do amanhã.
Quem se atreve a falar do Destino como algo que já estaria determinado de antemão, —o Maktub, o está escrito, — age como alguém que pretenda conhecer o desdobramento geral da vida e cuja palavra, ao dizer a sorte, ultrapassaria a parcela de liberdade e de poder do consulente, que frequentemente identifica o ocultista com o próprio sistema do qual ele se faz o porta-voz. É quando o jogo se substitui a uma droga e induz à perda do próprio poder de decisão, da liberdade e da vontade de agir que é transferida para o resultado do jogo e, assim, lançada ao acaso. Pretender que o futuro deva estar escrito e ao mesmo tempo aceitar que dispomos de liberdade de ação são duas premissas que criam no indivíduo um paradoxo que coloca em risco sua racionalidade e frequentemente perturba seu estado emocional bem mais que o esclarece, seja sobre sua própria vida, seja sobre si mesmo, aliás, duas realidades que frequentemente sequer podem ser avaliadas separadamente uma da outra, na medida em que somos percebidos através de nossas ações concretas bem mais do que através de nossa realidade interior que, em tese, pertence à ordem do inverificável.
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