METONÍMIA



Primeiro você apenas me observava. Desejava tocar-me, mas não podia.  Eu sentia o peso do seu olhar, sempre vigilante, mas sempre contido.  Aos poucos, sem pressa, você se aproximou. Parecia confiante, dono de si, na certeza de quem tem tempo e talento para decifrar-me. Não tenho mistérios, e é isto que me fez misteriosa aos seus olhos. Em cada gesto seu, percebi uma pergunta muda, uma tentativa de me ler por inteiro. Mas você não sabia que as páginas do livro da minha vida não estão escritas, porque o destino permanece em aberto para que você o construa.

Conheço seu desejo, assim como sua recusa teimosa em entender que jamais serei de alguém. Somos todos únicos e solitários. Como não ser? Minha natureza não é a de quem pertence, mas a de quem desafia. Sou o enigma, a esfinge que provoca e que mantém você em constante movimento. Como a luz que se dissipa no amanhecer, mostro-me por instantes, mas nunca por inteiro. É preciso que seja assim. Porque você não sabe o quanto é forte. Porque você não sabe o quanto é belo. Porque você tampouco sabe o quanto é sábio. Porque você se desconhece.

A cada passo seu, recuo sutilmente. Não por medo, mas porque sei que é na distância que você conhece o seu desejo e arma-se de coragem. Mas eu conheço você. Em breves toques que apenas arranham a superfície do que sou, eu sei que você me alcança por instantes fugidios que valem por uma eternidade. No último momento, escapo. Não por crueldade, mas porque o que represento não pode ser possuído de uma só vez. E porque você é uma promessa, um projeto, uma grande e portentosa obra que, todavia, ainda ignora a si próprio.

Muitos, como você, me buscam em segredo. Sabem que sou a promessa do que jamais será completamente revelado. Muitos, como você, percorrem meus caminhos, arranham e conquistam pequenos fragmentos do que sou. Você, com sede insaciável, recolhe, um a um, reflexos de mim que, todavia, não são o bastante. Porque eu sou o eterno retorno, o ciclo que se repete, sempre igual, sempre o mesmo, mas sempre inovador.

Você crê, mas não sabe. Você tenta, mas não consegue. Sou incerta só porque você ignora o que procura em mim. A Sabedoria, que você tanto almeja, está em entender que não sou o fim de sua busca: sou o começo. Há mais em mim do que seus olhos podem ver, do que seus pensamentos podem conceber, do que suas mãos podem alcançar. A Beleza, que encanta seus olhos e fascina seu espírito, é efêmera, como efêmera é também a Força que promete dominar o mundo. E é só quando deslizo entre seus dedos como água e areia, que você começa a perceber quem sou e a entender que não precisa me buscar, porque eu estou em toda parte justamente por estar em lugar algum.

Por tudo isso, fizeram de mim uma lenda. E fui condenada a buscar pelos quatro cantos do mundo aquilo que se perdeu. Sobrevivo entre vícios e virtudes. Elevo-me ao sagrado para recair no que é profano. Eternamente Viúva, sustento a Escada sem fim em cujos degraus você encontra a Fé, a Esperança e a Caridade, depois que a Força te abandonou, depois que a Beleza te cegou e que a Sabedoria nada te ensinou. Se o Compasso te encanta na perfeição do círculo, nele você descobre pontas que jamais se encontram. E se Esquadro delimita o solo sagrado, o Martelo e Cinzel moldam a pedra de que é feita a tua alma. Ilusória e fugidia, estou em toda parte e em lugar algum, porque sou a Loja na qual você trabalha, pacientemente, buscando aquilo que está oculto.

Eu sou a mãe de todos os órfãos da Verdade. Eu sou a mãe de todos aqueles que procuram os restos de Osíris pelos quatro cantos da Terra. Em cada símbolo, revelo um sinal; em cada toque, empenho uma promessa que só você percebe na paz que dorme no silêncio. Eu sou a Viúva que faz de você o Filho da Luz que reina na escuridão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário