Selos & sigilos


Eis a imagem de um sigilo
, que não é um selo comum. A diferença pode ser sutil, mas, no mundo da magia simbólica, selos representam uma autoridade ou a identidade de um ente. Exemplo disso, os 72 selos dos espíritos da Goetia. Tratam-se de representações tradicionais associadas a determinados nomes e atributos.

Os sigilos são uma coisa bem diferente. São criações pessoais, como um símbolo mágico criado com a finalidade especial de representar uma intenção específica. Podem ser gerados a partir de uma frase, por exemplo, ou de um desejo que depois são transformados em imagens abstratas. Contudo a relação entre a frase e o desejo é conhecida apenas pelo autor, daí seu caráter secreto. Sigilos são codificações da vontade, dos desejos, lançados ao domínios do inconsciente por meio de um processo lúdico, criativo e até ― por que não? ― artístico.

Sigilos são selos de vontades específicas e individuais. Sua linguagem é a linguagem do invisível. A arte de criar sigilos já é uma tradição do ocultismo moderno, que acompanha esses nossos tempos de individualismo e fragmentação.

E por falar em Tantrismo

Sabidamente, em certos alternativos do Ocidente, o tantrismo e o maithuna, a união ritual, tornaram-se termos populares, muitas vezes associados a promessas de potência sexual elevada, técnicas de prazer e poder místico instantâneo. Essa visão, no entanto, é frequentemente resulta de recortes descontextualizados que transformam uma tradição espiritual complexa em um produto exótico. Não é raro que se fale em tantrismo como sexualidade sagrada, genérica, vendida ora como chave do prazer, ora como meio de se obter uma espécie de domínio energético.

Mas o que de fato é o tantrismo na Índia? Para esclarecer essa questão, busquei respostas em Mircea Eliade, uma das maiores autoridades do século XX em história das religiões. No ensaio Sur l’érotique mystique indienne, Eliade nos leva ao cerne da tradição tântrica. Uma tradição profunda, mística, ritualística e exigente. Algo que está bem longe de qualquer hedonismo disfarçado de espiritualidade. Trata-se, antes, de um caminho ascético e transformador, cujo objetivo é a fusão com o absoluto.

Segundo o tantrismo, toda mulher representa a prakṛti, a natureza criadora. Na união ritual (maithuna), ela não é apenas uma parceira humana, mas uma encarnação da Śakti, o princípio feminino divino. O yogin, por sua vez, deve tornar-se Śiva, o princípio masculino da consciência. Juntos, deixam de ser indivíduos para tornar-se o próprio cosmos em miniatura. A união sexual, então, não visa ao prazer, mas à transcendência do eu e à conquista do estado de "não dualidade" (advaya).

Maithuna não é sexo. É rito. Um rito que só vale se for conduzido com completa consciência, sob orientação iniciática, e com parceiros consagrados. O objetivo final é a imobilidade tripla: da mente, da respiração e do sêmen. A retenção energética é essencial. Se houver descarga, o yogin "cai", voltando ao plano do karma. A união deve ser pura tensão espiritual — e não um alívio dos sentidos. É por isso que o maithuna é comparado à meditação mais extrema. Ele substitui práticas como o prāṇāyāma (controle da respiração) e o dhāraṇā (concentração), conduzindo à experiência de samarasa, a identidade de gozo e unidade, estado paradoxal e inefável. Como diz o Hevajra Tantra: "O mundo inteiro é da essência do sahaja (espontaneidade incondicionada); esta é a quintessência do Nirvāṇa".

Na tradição visnuíta, essa mesma estrutura simbólica se traduz na relação entre Rādhā e Krishna: amor não apenas secreto, mas radicalmente antissocial, fora das normas do dharma. Ali, o feminino representa o amor infinito, o masculino, a consciência pura. A união mística entre os dois só pode acontecer em Vrindāvan, fora do tempo e da moralidade comum — um espaço mítico onde a corporeidade torna-se via de libertação.

Não se trata da mulher e do homem comuns, vivendo vidas comuns. Trata-se de homem e mulher arquetípicos, cósmicos, que não buscam o prazer carnaldo prazer carnal, mas a alquimia do corpo e da consciência. E tudo tem lugar em um teatro ritual onde o divino se manifesta na carne não como indulgência, mas como libertação.

O tantrismo é caminho espiritual difícil e complexo. Ele exige preparação, iniciação, disciplina e desapego. A sexualidade tântrica não é libertação dos instintos, mas domínio absoluto sobre eles. É uma via perigosa, que pode conduzir ao êxtase — ou à queda, se mal compreendida.

Nesse contexto, a mentalidade ocidental, que costuma apropriar-se de símbolos sem compreender seus significados originais, podem muito bem transformar essa verdadeira arte mística em uma triste caricatura. Como nos alerta um adágio tântrico: "Pelos mesmos atos que lançam uns no inferno, o yogin alcança a liberação — se realizados como rito." Porque tantrismo não é sobre sexo. É sobre transcendência.

ELIADE, Mircea.  Sur l’érotique mystique indienne. Paris: Éditions de L’Herne, 2010.

Entre a Luz e o Abismo: A Goetia em Crowley e o Erotismo da Vontade

A ti, el No-Nacido, yo invoco…”

Assim começa o sussurro uma oração que é também feitiço. Uma invocação paradoxal que pede à carne o que é do espírito. A Goetia crowleyana mergulha fundo na tessitura do desejo, do poder e da sombra.

A palavra Goetia vem do grego goēteía, e significa feitiçaria, charme, lamúria mágica. No ocidente esotérico, tornou-se o nome de um sistema mágico centrado na evocação de espíritos — em especial, os 72 demônios descritos na Ars Goetia, o primeiro livro do grimório Lemegeton Clavicula Salomonis (As Chaves Menores de Salomão). Explico: enquanto a teurgia busca a união com o divino, a Goetia dialoga com os poderes ocultos do submundo psíquico e espiritual. Mas ela não é inferior. É apenas outro caminho.

A tradução e publicação da Goetia atribuída a Aleister Crowley nasce da herança iniciática da Golden Dawn, aquela famosa ordem ocultista da qual tanto ele quanto MacGregor Mathers foram membros proeminentes e até rivais. Mathers iniciou a tradução, mas foi Crowley, com sua pena libidinosa e sua mente vulcânica, quem finalizou. A versão crowleyana não é só uma transcrição: é uma transmutação. Ele injeta nela o espírito da Magick — a magia como ato da Vontade Verdadeira, e não apenas ritual mecânico. É invocação erótica, é teatro cósmico. Repare:

Tú creaste al Macho y a la Hembra. Tú produjiste la Semilla y el Fruto.”

É uma liturgia que celebra a fecundação do universo não só como metáfora, mas como ação concreta. A Goetia de Crowley não separa o espiritual do corpóreo. Para ele, a invocação é penetração; o ritual, um orgasmo da alma. O mago não pede — ele toma, como quem abre as coxas da realidade e semeia nela sua vontade. E os demônios da Goetia são como máscaras do chamado inconsciente coletivo. Podemos ainda os tomar como arquétipos, como forças que nos habitam. Crowley compreendeu isso antes de Jung popularizar o conceito.

Evocar um espírito não significa trazer uma entidade externa, mas reconhecer uma potência interna e aprender a lidar com ela. Cada um dos 72 nomes é também uma porta do nosso próprio labirinto. Crowley foi poeta, ator, alquimista. Ele entendia o ritual como arte performática. Cada gesto corresponde a uma intenção, cada símbolo, a um corpo, cada som, uma espada. Em sua Goetia, Crowley  não domestica os demônios. Ele os veste de seda. A magia deixa de ser medo para tornar-se, simplesmente, linguagem.

Projeto sobre a admissão de mulheres: Plano de uma Ordem feminina

 

Esta Ordem terá duas classes, cada uma formando sua própria sociedade, tendo inclusive seus próprios segredos distintos. A primeira será composta por mulheres virtuosas; a segunda, por mulheres volúveis, levianas, voluptuosas.

Ambas as classes devem ignorar que são dirigidas por homens. Far-se-á crer às duas superiores que existe acima delas uma Loja-Mãe do mesmo sexo, que lhes transmite ordens, quando na realidade essas ordens serão dadas por homens.

Os Irmãos, encarregados de dirigir essas mulheres, lhes farão chegar suas instruções sem jamais se revelar. Conduzirão as primeiras por meio da leitura de bons livros, e as outras, ensinando-lhes a arte de satisfazer secretamente suas paixões.

A este projeto está anexado um preâmbulo que define, nestes termos, o objetivo e a utilidade das Irmãs Iluminadas:

“A vantagem que se pode esperar desta Ordem seria, em primeiro lugar, fornecer à verdadeira Ordem todo o dinheiro que as Irmãs começariam pagando, e depois todo aquele que prometeriam pagar pelos segredos que lhes seriam ensinados. Esse estabelecimento serviria ainda para satisfazer aqueles Irmãos que têm inclinação para os prazeres.”

A este projeto de Zwach – muito dignamente chamado o Catão dos iluminados – estava anexado também o retrato de noventa e cinco Senhoritas ou Damas de Manheim, dentre as quais deveriam ser escolhidas, sem dúvida, as fundadoras da dupla classe.

Como as circunstâncias não favoreceram o desejo desse novo Catão, vários Irmãos começaram a disputar o mesmo projeto. O senhor Distfurt, conhecido por seu verdadeiro nome em Wetzlar como assessor da Câmara Imperial, e também conhecido entre os Irmãos Iluminados sob o nome de Minos, elevado ao grau de Regente e à dignidade de Provincial, parece disputar com o Irmão Hércules, e até com o Irmão Catão, a honra da invenção. Ninguém, ao menos, deseja mais do que ele a fundação das Irmãs Iluminadas.

Ele já expôs sua ideia a Knigge; insiste novamente com Weishaupt; quase desespera de conseguir atingir o grande objetivo da Ordem sem a influência das adeptas femininas. No ardor de seu zelo, oferece como primeiras adeptas sua esposa e suas quatro belas filhas. A mais velha destas possui exatamente todas as qualidades necessárias para as Irmãs Filósofas; tem vinte e quatro anos; supera o seu sexo em questões religiosas; pensa exatamente como o pai. Ele é Regente e Príncipe Iluminado; ela seria Regente, Princesa Iluminada. Nos últimos mistérios, junto da esposa do adepto Ptolemeu, uma se corresponderia com o pai, a outra com o marido.

As duas Princesas Iluminadas seriam as únicas a saber que a Ordem das adeptas femininas é governada por adeptos masculinos; elas presidiram as provas das Minervais, e por fim revelariam às mais dignas os grandes projetos das Irmãs para a reforma dos governos e a felicidade do gênero humano.

Apesar de todos os planos e do zelo dos Irmãos, não parece que o seu Legislador tenha jamais consentido no estabelecimento das Irmãs Iluminadas. No entanto, ele supriu isso com instruções dadas aos adeptos mais recentes, advertindo-os de que, sem revelar às mulheres o segredo da Ordem, havia uma maneira de utilizar em benefício do Iluminismo a influência que elas tão frequentemente exercem sobre os homens. Advertiu-os ainda que, sendo o belo sexo senhor de grande parte do mundo, a arte de lisonjeá-las para conquistá-las era um dos estudos mais dignos de um adepto; que todas elas eram mais ou menos conduzidas pela vaidade, curiosidade, prazeres ou pela novidade; que era por aí que se devia conquistá-las e torná-las úteis à Ordem.

Mas, mesmo assim, ele continuou a excluir de todos os graus os tagarelas e as mulheres. O artigo seis das instruções do Irmão Recrutador não foi revogado.

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O texto acima foi extraído de uma obra de circulação digital intitulada La franc-maçonnerie et l’illuminisme décryptées par l’abbé Barruel, atribuída ao abade Augustin Barruel. Não encontramos, porém, confirmação bibliográfica sólida sobre a autoria ou publicação original. O conteúdo, no entanto, reflete temas que marcaram o pensamento contrarrevolucionário europeu do fim do século XVIII: a denúncia da Maçonaria, dos Iluminados da Baviera e da Revolução Francesa como parte de um complô anticristão.

Barruel é mais conhecido por sua obra fundamental Mémoires pour servir à l’histoire du jacobinisme (Memórias para servir à história do Jacobinismo), publicada em 1798–1799, em quatro volumes. Nessa obra, ele defende com veemência a tese de que a Revolução Francesa não foi um movimento espontâneo, mas o resultado de uma conspiração urdida por filósofos iluministas, maçons e jacobinos contra a Igreja e a monarquia. Antes dele, já em 1792, o abade Lefranc havia publicado La Conjuration contre la religion catholique et les souverains (Conjuração contra a religião católica e os soberanos), obra considerada precursora do pensamento de Barruel. Lefranc também denunciava a Maçonaria como promotora de uma subversão global planejada a partir da França revolucionária. Quando se trata da relação entre Maçonaria e Revolução Francesa, os historiadores reconhecem duas grandes teses:

  1. Tese conspiracionista (contra-revolucionária): sustenta que a Maçonaria organizou deliberadamente um complô para destruir o Antigo Regime, sendo parte ativa de uma conspiração revolucionária. Esta é a linha adotada por Barruel e Lefranc.
  2. Tese liberal ou culturalista: defende que a Maçonaria não organizou uma revolução, mas contribuiu para a difusão de ideias ilustradas — liberdade, igualdade, fraternidade — que triunfaram em 1789. A influência seria, portanto, cultural e filosófica, não conspirativa.

Barruel, em suas Memórias, é categórico ao optar pela primeira visão: para ele, a destruição da ordem cristã e monárquica era um projeto elaborado por redes maçônicas, iluministas e enciclopedistas.

Os Iluminados da Baviera e a perseguição

Antes mesmo da publicação das Memórias, o tema dos Iluminados da Baviera (Illuminatenorden) já estava cercado de controvérsias. A ordem, fundada por Adam Weishaupt em 1776, foi dissolvida oficialmente em 1785, após perseguições promovidas pelo eleitor da Baviera, Carlos Teodoro, com apoio do governo austríaco e da Igreja. Documentos e correspondências dos Illuminati foram confiscados e divulgados — em parte manipulados — em uma série de panfletos publicados em Viena e Munique, com forte teor alarmista. Essas publicações alimentaram as teses de Barruel e de outros autores contrarrevolucionários.

Do século XVIII ao XX: a persistência da ideia de conspiração

A partir de Barruel, a ideia de que a Maçonaria, os Iluminados ou os filósofos atuavam como conspiradores ocultos contra a ordem tradicional tornou-se um motivo duradouro na literatura de teoria da conspiração. Ainda no século XX, essa narrativa foi retomada em obras antimaçônicas, textos de extrema-direita e teorias populares que conectam Iluminismo, Nova Ordem Mundial e controle global. Mesmo sem base documental consistente, essa visão conspiratória foi sendo reciclada — ora em tom político, ora religioso, ora em teorias alternativas — influenciando desde grupos tradicionalistas até a cultura pop contemporânea.

Em 2025, Augustin Barruel é uma figura marginal na rede X, aparecendo em nichos conspiracionistas, tradicionalistas católicos e debates históricos. Citado como pioneiro das teorias que ligam Maçonaria, Illuminati e Revolução Francesa a um complô anticristão, ele é reverenciado por alguns como "visionário" contra o Iluminismo e criticado por outros como alarmista reacionário. Suas ideias, como as do texto sobre as "Irmãs Iluminadas", ecoam em discussões modernas sobre elites globalistas e manipulação social, mas termos como "Nova Ordem Mundial" ofuscam seu nome. Com alcance limitado, Barruel permanece um ícone para iniciados, sua paranoia reciclada em narrativas contemporâneas.