E por falar em Tantrismo

Sabidamente, em certos alternativos do Ocidente, o tantrismo e o maithuna, a união ritual, tornaram-se termos populares, muitas vezes associados a promessas de potência sexual elevada, técnicas de prazer e poder místico instantâneo. Essa visão, no entanto, é frequentemente resulta de recortes descontextualizados que transformam uma tradição espiritual complexa em um produto exótico. Não é raro que se fale em tantrismo como sexualidade sagrada, genérica, vendida ora como chave do prazer, ora como meio de se obter uma espécie de domínio energético.

Mas o que de fato é o tantrismo na Índia? Para esclarecer essa questão, busquei respostas em Mircea Eliade, uma das maiores autoridades do século XX em história das religiões. No ensaio Sur l’érotique mystique indienne, Eliade nos leva ao cerne da tradição tântrica. Uma tradição profunda, mística, ritualística e exigente. Algo que está bem longe de qualquer hedonismo disfarçado de espiritualidade. Trata-se, antes, de um caminho ascético e transformador, cujo objetivo é a fusão com o absoluto.

Segundo o tantrismo, toda mulher representa a prakṛti, a natureza criadora. Na união ritual (maithuna), ela não é apenas uma parceira humana, mas uma encarnação da Śakti, o princípio feminino divino. O yogin, por sua vez, deve tornar-se Śiva, o princípio masculino da consciência. Juntos, deixam de ser indivíduos para tornar-se o próprio cosmos em miniatura. A união sexual, então, não visa ao prazer, mas à transcendência do eu e à conquista do estado de "não dualidade" (advaya).

Maithuna não é sexo. É rito. Um rito que só vale se for conduzido com completa consciência, sob orientação iniciática, e com parceiros consagrados. O objetivo final é a imobilidade tripla: da mente, da respiração e do sêmen. A retenção energética é essencial. Se houver descarga, o yogin "cai", voltando ao plano do karma. A união deve ser pura tensão espiritual — e não um alívio dos sentidos. É por isso que o maithuna é comparado à meditação mais extrema. Ele substitui práticas como o prāṇāyāma (controle da respiração) e o dhāraṇā (concentração), conduzindo à experiência de samarasa, a identidade de gozo e unidade, estado paradoxal e inefável. Como diz o Hevajra Tantra: "O mundo inteiro é da essência do sahaja (espontaneidade incondicionada); esta é a quintessência do Nirvāṇa".

Na tradição visnuíta, essa mesma estrutura simbólica se traduz na relação entre Rādhā e Krishna: amor não apenas secreto, mas radicalmente antissocial, fora das normas do dharma. Ali, o feminino representa o amor infinito, o masculino, a consciência pura. A união mística entre os dois só pode acontecer em Vrindāvan, fora do tempo e da moralidade comum — um espaço mítico onde a corporeidade torna-se via de libertação.

Não se trata da mulher e do homem comuns, vivendo vidas comuns. Trata-se de homem e mulher arquetípicos, cósmicos, que não buscam o prazer carnaldo prazer carnal, mas a alquimia do corpo e da consciência. E tudo tem lugar em um teatro ritual onde o divino se manifesta na carne não como indulgência, mas como libertação.

O tantrismo é caminho espiritual difícil e complexo. Ele exige preparação, iniciação, disciplina e desapego. A sexualidade tântrica não é libertação dos instintos, mas domínio absoluto sobre eles. É uma via perigosa, que pode conduzir ao êxtase — ou à queda, se mal compreendida.

Nesse contexto, a mentalidade ocidental, que costuma apropriar-se de símbolos sem compreender seus significados originais, podem muito bem transformar essa verdadeira arte mística em uma triste caricatura. Como nos alerta um adágio tântrico: "Pelos mesmos atos que lançam uns no inferno, o yogin alcança a liberação — se realizados como rito." Porque tantrismo não é sobre sexo. É sobre transcendência.

ELIADE, Mircea.  Sur l’érotique mystique indienne. Paris: Éditions de L’Herne, 2010.

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