A palavra vem do chinês ― gōng-àn ― e designa um paradoxo que é deliberadamente construído para sabotar nossa peculiar maneira de entender o mundo. Um koan é algo que pode detonar nossas certezas ontológicas, e só uma pessoa profundamente superficial — como penso que sou, aliás — pode saber disso muito bem. Afinal, desaprender é um pouco como desapegar: um querer que desquer, que silencia os ruídos analíticos que permeiam nosso pensar. Não é algo que se deva aprender. Koans são para experimentar, tipo lembrar do que não se sabia enquanto se escutam palavras não ditas.
Leio de tudo. Dos clássicos e acadêmicos até almanaques populares e bulas de remédio. Excluindo revistas em quadrinhos, devoro qualquer tipo de literatura, mesmo aquela vista como dejeto cultural. Certamente já li e escrevi muita coisa, traduzi outras tantas, e meus arquivos estão cheios de traças que vieram das alturas do Himalaia. Este blog, então, vai ser o canal de saberes fragmentados, oficiais e oficiosos, que os Mestres do Imaginário oferecem a nossa indiscrição.
Zanoni, de Edward Bulwer-Lytton
Se você está aqui, deve ter ouvido falar de "Zanoni" (1842), livro de Edward Bulwer-Lytton. É um romance, mas também um manual esotérico. O personagem principal, Zanoni, possui conhecimentos ocultos e sua longevidade é sobrenatural. Porém, apaixona-se por Viola Pisani, uma cantora pela qual ele renuncia à imortalidade. Tudo se passa à época da Revolução Francesa, de sorte que destinos pessoais confundem-se com a trama histórica. Em paralelo, temos Glyndon, jovem artista que encarna o buscador comum: apesar de desejar descobrir os segredos místicos, não compreende o preço a ser pago.
O autor, Edward Bulwer-Lytton (1803-1873), ícone da Era Vitoriana, foi um verdadeiro aristocrata que conhecia tradições herméticas, alquimia e filosofia oculta. Político, ocultista, escritor influente em seu tempo. Primeiro Barão Lytton, frequentou a Câmara dos Lordes e lutou por reformas sociais. Devem-se a ele algumas frases famosas como: "a pena é mais poderosa que a espada" e o infame clichê: “era uma noite escura e tempestuosa" — bem, ninguém é perfeito.
Na introdução, Bulwer-Lytton não se apresenta não como autor, mas como o tradutor de manuscritos misteriosos, compostos por caracteres desconhecidos, que teriam chegado às suas mãos. O romance toma, assim, ares de realidade. Erudito, ele abre o romance com uma epígrafe de Torquato Tasso, extraída da "Gerusalemme Liberata": "Era uma virgem de grande beleza, mas de sua beleza não fazia caso: A negligência mesma é arte nos que são favorecidos pela Natureza, pelo amor e pelos céus."
Uma citação não casual, que estabelece o tema da beleza natural posto ao artifício. Assim, haveria pessoas "favorecidas pelos céus", conceito que envolve os personagens principais e seus dons sobrenaturais. Marco na literatura esotérica moderna, Zanoni influenciou movimentos como a Teosofia e gerações de buscadores espirituais, abordando temas universais como amor e conhecimento, mortalidade e transcendência, bem como o preço a pagar pela sabedoria.
