O Concílio de Latrão recomenda aos bispos fazer cuidadosamente denunciar, em suas visitas pastorais “as pessoas que levam uma vida singular e diferente do comum dos fiéis”. Nada descreve melhor que esse texto o liame estabelecido, em toda sociedade fixada, entre o costume e a moral. Aristóteles, em sua política, parece haver ditado de antemão as prescrições do Concílio de Latrão: “Vigiai cuidadosamente, diz ele, a conduta privada dos cidadãos que gostam de inovações. Vós estabelecereis um magistrado para inspecionar toda maneira de viver que não está de acordo com o espírito do governo, etc.”
Gabriel Tarde, em nota na obra A Criminalidade Comparada.
Leio de tudo. Dos clássicos e acadêmicos até almanaques populares e bulas de remédio. Excluindo revistas em quadrinhos, devoro qualquer tipo de literatura, mesmo aquela vista como dejeto cultural. Certamente já li e escrevi muita coisa, traduzi outras tantas, e meus arquivos estão cheios de traças que vieram das alturas do Himalaia. Este blog, então, vai ser o canal de saberes fragmentados, oficiais e oficiosos, que os Mestres do Imaginário oferecem a nossa indiscrição.
Lenda
Abel e Caim encontraram-se depois da morte de Abel. Caminhavam pelo
deserto e reconheceram-se de longe, porque os dois eram muito altos. Os
irmãos sentaram-se na terra, acenderam um fogo e comeram. Guardavam
silêncio, à maneira das pessoas cansadas quando declina o dia. No céu
assomava uma estrela que ainda não tinha recebido seu nome. À luz das
chamas, Caim percebeu na testa de Abel a marca da pedra e deixou cair o pão
que estava prestes a levar à boca e pediu que lhe fosse perdoado seu crime.
– Tu me mataste ou eu te matei? – Abel respondeu. – Já não me lembro;
aqui estamos juntos como antes.
– Agora sei que me perdoaste de verdade – disse Caim –, porque esquecer
é perdoar. Procurarei também esquecer.
– É assim mesmo – Abel falou devagar. – Enquanto dura o remorso, dura
a culpa.
JORGE LUIS BORGES, OBRAS COMPLETAS, VOLUME II, Ed. GLOBO, 1999.
deserto e reconheceram-se de longe, porque os dois eram muito altos. Os
irmãos sentaram-se na terra, acenderam um fogo e comeram. Guardavam
silêncio, à maneira das pessoas cansadas quando declina o dia. No céu
assomava uma estrela que ainda não tinha recebido seu nome. À luz das
chamas, Caim percebeu na testa de Abel a marca da pedra e deixou cair o pão
que estava prestes a levar à boca e pediu que lhe fosse perdoado seu crime.
– Tu me mataste ou eu te matei? – Abel respondeu. – Já não me lembro;
aqui estamos juntos como antes.
– Agora sei que me perdoaste de verdade – disse Caim –, porque esquecer
é perdoar. Procurarei também esquecer.
– É assim mesmo – Abel falou devagar. – Enquanto dura o remorso, dura
a culpa.
JORGE LUIS BORGES, OBRAS COMPLETAS, VOLUME II, Ed. GLOBO, 1999.
Indulgência Plenária
O Espírito Maçônico
Verdadeira em seu significado, a lenda é mais verídica, a seu modo, que a História, muito freqüentemente edificada com a ajuda de informações equívocas. O fundidor Hiram dos textos bíblicos, por hábil que fosse, é um personagem de muito pouca importância histórica, não tendo em comum senão o nome com o Mestre Hiram do Ritual maçônico. Todavia, o que personifica esse arquiteto imaginário é uma formidável realidade. Não é, pois, de nenhum modo, pueril exigir de um candidato a Mestre a prova de sua inocência no assassinato de Hiram. Para o Iniciado, Hiram não é outro senão o espírito maçônico. Enquanto ele vive, a Maçonaria persiste em sua tarefa construtiva, o Templo é construído e, bem inspirados, os maçons trabalham com método, satisfeitos com o progresso que constatam.
O.W.
O.W.
Somente um vez...
Porque o estar aqui é muito, e.porque tudo
daqui nos necessita em aparência, o evanescente,
o que de uma maneira delicada nos comove.
A nós os mais evanescentes. Uma vez
cada coisa. Somente uma vez. Uma vez e não mais.
E nós também uma vez. Nunca de novo. Mas
haver sido uma vez, ainda somente uma vez;
haver sido terrestre, parece irrevocável.
E estas coisas cujo viver é des falecimento
compreendem que tu as elogiavas; perecíveis,
confiam em nós, os mais efêmeros, como capazes de
salvar.
Querem que nos obriguemos a transformá-las de todo,
em nosso coração invisível — oh infinitamente! — em
nós,
quem quer que sejamos ao fim.
Terra, não é isso o que tu queres: tornar a brotar
em nós invisível? — Não é teu sonho
ser invisível? Terra! Invisível!
Pois, que outra coisa senão transformação
é teu urgente mandamento?Rilke, Elegias de Duino, citado por M. Serrano
O Verdadeiro Capa Preta
Na minha prateleira de livros curiosos, está o Livro Negro de S. Cipriano, dito o verdadeiro capa preta, de N. A. Molina, Ed. Espiritualista, 6ª ed., RJ. É um clássico dos feitiços. Traz curiosas ilustrações e ainda receitas de magia. Além da biografia do santo, há noções de astrologia, interpretações de sonho, muitas dicas do astral, e até mesmo leitura de mãos e cartomancia.
Arcano XIII
Shiva retoma de Vishnou a vida dada por Brahma, não para destruí-la, mas vista de renová-la. Da mesma maneira que Saturno poda a árvore da vida, a fim de intensificar o vigor de sua seiva, um gênio renovador talha a humanidade no interesse de sua persistência e fecundidade. O iniciado reconhece, no caricato SEGADOR, o indispensável agente do progresso; também ele não experimenta qualquer temor à sua aproximação. Para viver iniciaticamente, consentimos em morrer. A Morte é a suprema Libertadora. O sábio encaminha-se para o túmulo sem lamentar o passado; ele aceita a serena velhice, feliz em beneficiar-se do relaxamento dos laços que retêm o espírito prisioneiro da matéria. O apaziguamento das paixões dá ao intelecto uma mais completa liberdade, podendo traduzir-se em lucidez genial e mesmo em clarividência profética. Os privilégios do mestrado estão, aliás, reservados ao velho que soube permanecer jovem pelo coração, porque o poder do mestre fundamenta-se na simpatia. Ele não possui outra força senão aquela da afeição; mas ele sabe amar com abnegação.
O.W.
O.W.
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