A Estrada da Vida de Hieronymus Bosch


Esta é A Estrada da Vida de Hieronymus Bosch, um dos artistas mais geniais e complexos que já viveram, seja por seu talento, seja por sua atemporalidade, pois, em que pese haver nascido em 1450 e morrido em 1516, seu trabalho não perde atualidade, ainda que este artista tenha sido um homem medieval, preocupado com a tentação, o pecado e os prazeres. Ele realizou o fantástico, materializou a fantasia e tornou concreta a imaginação. Neste quadro, em particular, encontramos um andarilho que faz lembrar o Arcano Zero do Tarô. O homem a percorrer a estrada da vida. Ele é, enquanto peregrino, sem identidade, pois não tem raízes no lugar onde está (não sabemos se sabe quem é) e parece sem destino (não se sabe se ele sabe de onde vem, e ele também parece pouco importar-se com para onde vai). A vida o conduz, e ele presentifica a passagem, o momento, o instante, o agora. Um cão magro e feroz o persegue, lembrando as adversidades, e ele procura afastá-lo com o bastão que carrega, olhando para trás. Leva consigo, na bagagem que traz às costas, tudo o que possui: uma espécie de cesto onde se vê uma colher de pau presa pelo lado de fora. Sua roupa está rasgada, e podemos ver seu joelho esquerdo. Ele traz ainda o que pode ser uma arma branca, uma faca, cujo cabo se deixa ver por entre as pregas do casaco. Em seu caminho há uma ponte, mas ele olha para trás e parece desatento à pedra rachada e à forquilha que sustenta uma espécie de frágil corrimão destinado a dar mais segurança a quem atravessar a estreita ponte de pedra. Ele passa por um grupo de homens que se ocupam de uma execução, amarrando alguém a uma árvore, diante de várias armas espalhadas pelo chão. Há um casal ao fundo e mais além ainda vê-se um homem sentado junto ao tronco de uma árvore ao fundo. A presença da morte é simbolizada pelos ossos e pelos abutres que podemos ver em primeiro plano. As feições do caminhante, se as fixarmos atentamente, revelam um homem vivido e maduro. Há rugas em sua testa, e seu olhar lembra o de um homem cansado e ameaçado, aflito. A postura denota esse receio, e a posição das pernas não mostra firmeza.
Quem se interessar em observar ainda mais detalhes desta obra em grande resolução pode abrir a imagem neste link. Há muito mais a descobrir aí. Observei uma espécie de fechadura exatamente no meio do painel, onde as duas metades se encontram. É um detalhe curioso. Além disso, em O Peregrino, encontramos o mesmo personagem.
Acreditem: vale a pena perder tempo com arte. Muitas vezes podemos ler mais em um quadro que em um livro, desde que saibamos fazer uso de nossos sentidos. Oswald Wirth coloca isso com muita propriedade, quando escreve que a apreciação do Belo ajuda na compreensão do Bem. Para ele, a arte se endereça à alma que ela comove, fazendo com que o eu entre em comunhão de harmonia com o exterior. E prossegue: A emoção artística estabelece uma ligação poderosa entre todos aqueles que a experimentam. Uma admiração comum aproxima os homens ainda melhor que os interesses materiais mais diretos. A arte tem, pois, uma missão religiosa no sentido mais elevado da palavra. O artista é o intérprete ou o sacerdote do Belo. Ele nos revela o ideal, ou seja, a realidade subjetiva que está em nós e que nós desejamos poder objetivar.