Uma verdade é descoberta por um sábio. Contai os mentirosos que a exploram, desde os industriais que a colocam em seus prospectos até os teóricos que a alojarão, bem ou mal em seus sistemas. Alguém descobre que existe ferro no sangue; em seguida, cem farmacêuticos colocam à venda pílulas de ferro de eficácia mais ou menos duvidosa proclamada incontestável por mil certificados de médicos mais ou menos convencidos. A vulgarização das ciências seria moralizadora, se ela contribuísse para desenvolver a veracidade. Mas ela não produz esse efeito senão que sobre uma muito fraca parte do público, a saber, não sobre o fabricante ou o político que fazem da ciência um instrumento de dominação e de riqueza, nem sobre o romancista ou o poeta que lhe pedem novas emoções, mas apenas sobre o sábio que emprega a ciência para fazer progredir a ciência, modo de emprego muito especial e muito raro. O organismo social, em suma, defende-se contra a verdade que o assalta de toda parte, como o organismo natural, contra as intempéries e as forças físicas. Ele precisa dela, como o ser vivo precisa de agentes exteriores, contra os quais, todavia, está em luta constante, e sem os quais ele morreria. Do mesmo modo, a sociedade vive de verdades, de conhecimentos sempre renovados; ela consome, para se lhes assimilar, todos aqueles que seus sábios e seus filósofos lhe fornecem. Estes últimos estão situados nos confins do mundo social que eles estão encarregados de colocar em relação com o universo, quase como as células epidérmicas e os tecidos do olho recebem o choque das vibrações aéreas ou etéreas e as transmitem ao interior do corpo, onde se rompem em mil fragmentos e se alteram de mil maneiras[1].
[1] TARDE, Gabriel. La Criminalité Comparée, 7ª edição, Alcan, Paris, 1910, 215 páginas, pág. 208.