O Louco e a Loucura

Ser louco é não contar. Carta fora da ordem do baralho, o Louco é representado de mil maneiras diferentes. Sorridente, com partes do corpo descobertas, ao mesmo tempo em que também é transparente no que sente, muito embora o que sinta por vezes não faça parte de si. O louco não é a própria loucura, mas talvez seja o efeito dela. Tantos são os conteúdos não tolerados em nosso próprio eu, tantos somos nós, em legião, que não é muito que a loucura suceda à razão e nos leve a descobrir essas partes do corpo, a insinuar sorrisos, a dar passos em falso, enfeitados com os ouropéis da ilusão que nos consola de perdas. Metade como rei, metade como mendigo, metade gente, metade bicho, o louco pertence a dois mundos, de sorte que a loucura pode ser o caminho, a ponte que nos leva ao outro lado, onde jazem os conteúdos simbólicos, arquetípicos, o grande manancial submerso bem além do inconsciente individual. Há loucuras lúcidas, como há racionalidades embrutecidas pelo sarcasmo. Não há fórmulas nem programas, mas processos a que a vida nos submete, por ser maior do que aquilo que vive. Nem sempre é possível descobrir razões e plausibilidades acerca do que nos encanta ou do que nos aflige, nos mata ou faz viver. É preciso, pois, representar esta impotência, exorcizar esse fracasso. Talvez por isso tenhamos essa tendência a ridicularizar o louco, fazendo dele um idiota. Contudo, não estou bem certa de que a razão seja melhor guia que a loucura. Talvez ambas possam ser complementares. Quem sabe?