o único mundo que existe – para destituir a nossa realidade terrena
de todo o fim, de toda a razão, de todo o propósito! O conceito de
«alma», de «espírito», finalmente ainda de «alma imortal», inventou-
se para desprezar o corpo, para o tornar doente – «santo» –, para se
deparar com uma horrível incúria em todas as coisas que na vida merecem
seriedade, as questões de alimentação, habitação, dieta espiritual,
cuidado com os doentes, higiene, tempo! Em vez da saúde, a «salvação
da alma» – quer dizer, uma folie circulaire entre as convulsões da
penitência e a histeria da redenção! O conceito de «pecado» foi inventado,
juntamente com o instrumento complementar de tortura, a noção
de «vontade livre», para extraviar os instintos, para transformar em segunda
natureza a desconfiança para com os instintos! No conceito de
«desinteresse», de «renúncia a si mesmo», encontra-se o genuíno sinal
de décadence;o engodo pelo maléfico, a incapacidade de já não
encontrar a sua utilidade, a autodestruição, tornaram-se em geral qualidades
distintivas, o «dever», a «santidade», o «divino» no homem!
Por fim – e é o mais terrível – no conceito de homem bom, toma-se o
partido de tudo o que é fraco, doente, falhado, do que em si mesmo é
passivo, de tudo o que deve perecer – a lei da selecção é contrariada, e
faz-se um ideal a partir da oposição ao homem altivo e bem sucedido,
ao homem que diz sim, ao homem que garante e está certo do futuro –
este torna-se agora o mau... E em tudo isto se acreditou como moral!
Écrasez l’infâme!"
Friedrich Nietzsche
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