Aos
Iniciados do 3° Grau
(Prefácio
à Edição de 1931)
Veneráveis Mestres,
Vós haveis sido elevados ao supremo grau da
hierarquia maçônica: vosso diploma dá fé disso. Mas sois Mestres
verdadeiramente? Responder que certo ramo misterioso vos é conhecido não
resolve a questão, porque cada um pode decorar uma fórmula ritualística e repeti-la
sem haver compreendido todo o seu alcance.
Não há, de resto, nada de humilhante em confessar
nossa importância em face do mistério. Admitido na Câmara do Meio há nove
lustros, não posso me vangloriar de conhecer a Acácia. Como vós, na realidade, eu
permaneci Companheiro. Minhas viagens não tiveram fim e eu trabalho sem cessar
para conquistar o Mestrado que estou bem longe de possuir.
Como posso ter então a pretensão de redigir um
Livro do Mestre?
Acredito dever dar satisfação aos IIr.’. que esperam
com impaciência a publicação desde manual; é que, pelo fato de aspirar ao
Mestrado, cheguei a fazer dele uma concepção muito precisa. É porque sei muito
bem aquilo que é preciso ser para se dizer Mestre que me sinto muito inferior
ao terceiro grau. Consciente de tudo aquilo que me separa do ideal, eu meço,
por esse mesmo fato, a distância a percorrer para atingi-lo. Mantendo-me de pé
na montanha, percebo o caminho que leva ao cume; as dificuldades da escalada
aparecem-me e eu posso orientar os valentes desejosos de afrontá-las.
É a eles que se endereça o tomo III de A
Franco-Maçonaria Tornada Inteligível aos seus Adeptos, obra cujo plano
é traçado desde 1888, no seio do Grupo Maçônico de Estudos Iniciáticos.
Imediatamente O Livro do Aaprendiz foi colocado em obra, mas
só veio à luz em 1892, sob os auspícios da Resp.’. Loj.’. Trabalho e
Verdadeiros Amigos Fiéis.
Esse primeiro manual inspirou-se nas ideias comuns
longamente discutidas. Também não trouxe nenhuma assinatura individual. Foi o
mesmo com o Livro do Companheiro, aparecido em 1911, redigido
em medida muito mais ampla sob minha responsabilidade pessoal.
Quanto ao Livro do Mestre, que
completa a série, ele não pode ser elaborado em Câmara do Meio. Compreende-se
então que tomo por minha conta a visão que tentei traduzir neste tratado
particularmente espinhoso.
Sem dúvida, para encontrar a Palavra
Perdida, recorri às luzes de IIr.’. mais instruídos. Uns como e o
Ir.’. Hubert, diretor da Cadeia de União, verbalmente
estimularam minhas meditações, enquanto Ragon, Eliphas Levi, Albert Pike e,
sobretudo, Goethe, me instruíram por seus escritos.
Mas não é o bastante, nessa matéria, assimilar o
pensamento de outrem. Para retomar o fio rompido das esquecidas tradições, foi
preciso reviver o passado por um esforço pessoal intenso e perseverante.
Trata-se de reviver a si mesmo em tempos antigos para absorver daí o que eles
nos deixaram em monumentos significativos. Ruínas, superstições, doutrinas
filosóficas desacreditadas, religiões estrangeiras, tudo merece ser explorado
com cuidado; mas nada saberia ser mais revelador do que os poemas e os mitos.
Os poetas, cuja imaginação é esclarecida, são, em
Iniciação, mais instruídos que os frios racionalistas, A época caldeia do herói
Gilgamés e a lenda de Ishtar descida aos infernos, composição de alto alcance
iniciático, remontam há mais de cinco mil anos. A narrativa da morte de Osiris
e tantas outras fábulas, traduzem em imagens os ensinamentos da mais profunda
sabedoria. A própria Bíblia é preciosa para quem sabe compreendê-la. A sedução
de Eva pela serpente faz alusão aos princípios fundamentais de toda iniciação,
do mesmo modo que diversos outros contos mais recentes.
As gerações transmitem fantasmagorias frívolas em
aparência que o pensador não deve desdenhar. São elas que animam esse vitral da
janela do Ocidente, da qual o Iniciado, parte de manhã do Oriente, aproxima-se
à noite, depois de haver, ao meio-dia, examinado todas as coisas à plena
claridade do dia.
Desde a aurora, sua razão desperta havia visto
junto à janela do Oriente, os primeiros raios chamados a penetrar seu espírito.
Esta iluminação tão súbita devia deslumbrá-lo e fazê-lo presunçoso. Plena de
ardor, a inteligência assim surpreendida acredita-se forte frente aos erros.
Ela enxerga em toda parte preconceitos a combater e fantasmas a espantar. É a
época dos julgamentos precipitados que não levam em conta nenhuma autoridade
recebida e condenam sem reserva tudo o que não se enquadra à opinião
intransigente muito bruscamente adquirida.
Essa exuberância juvenil se acalma pelo meio-dia da
vida. É então que o dia implacável cai quase verticalmente pela janela do
meio-dia. Os objetos projetam apenas um mínimo de sombra e se revelam em toda
sua realidade. É a hora em que convém observá-los rigorosamente, examinando-os
sob todas as suas facetas. O julgamento torna-se então circunspecto e permanece
de bom grado em suspenso. Uma compreensão exata recusa-se a condenar, porque
ela explica com indulgência, considerando todos os fatores em causa.
A plena luz conduz assim à Tolerância que
caracteriza a Sabedoria dos Iniciados. É necessário tudo julgar com serenidade,
para obter o direito de abrir a janela ocidental do Santuário do Pensamento. O
Sol se pôs então: a agitação do dia se acalma e a paz da noite se estende gradualmente
sobre a planície. Os detalhes se dissipam na sombra crescente que faz
sobressair o clarão da estrela verpertina diante da qual empalidecem todas as
outras. Este astro não é mais o arrogante Lúcifer, inspirador de orgulho e de
revolta; é o foco de uma branda claridade que leva ao sonho evocador da
idealidade. Doravante a noite pode adensar os véus: as trevas do exterior não
mais prevalecerão sobre a luz interior. Depois, quando os vivos se calam, os
mortos se dispõem a falar. É chagada a hora de evocar aqueles que detêm os
segredos que levaram para o túmulo. São eles os Verdadeiros Mestres, dos quais
podemos fazer reviver o pensamento, conformando-nos aos ritos prescritos.
Mas não emprestemos às cerimônias um valor
sacramental. Hiran não ressuscita em nós porque exteriormente representamos seu
papel. Em Iniciação só conta aquilo que se realiza interiormente.
Esforçai-vos, pois, Veneráveis Mestres simbólicos,
em transformar o símbolo em realidade. Titulares de diplomas e portadores de
insígnias metamorfoseei-vos em Pensadores participando do Pensamento
imperecível.
Possa o Livro do Mestre guiar-vos
na realização dessa grande obra.
OSWALD WIRTH
Maio de 1931.