A Arte Sacerdotal e a Arte Real


Quem se reúne se une. A semelhança de caráteres, de gostos, de interesses, de ocupações, de direitos e de deveres leva ao agrupamento. Os velhos considerados mais sábios, porém fracos fisicamente, foram assim levados a se reunirem separadamente, e a se reunirem fora da assembleia dos homens que permaneciam vigorosos, dentre os quais predominava o elemento guerreiro. Pouco numerosos, os velhos deviam preferir manter seus conciliábulos no silêncio da noite, retirados em alguma choupana isolada.

Como seu prestígio e sua influência baseavam-se em sua renomada sabedoria, eles tinham interesse em se instruírem reciprocamente, comunicando entre si o fruto de sua experiência e de suas meditações. Tornaram-se assim os depositários das tradições da tribo. Entre eles encontravam-se contistas, hábeis em encantar seus ouvintes com narrativas cada vez mais impregnadas de altas façanhas atribuídas aos deuses e aos heróis. Houve rapsódias, cantores inspirados, hábeis em cativar as imaginações. Por vezes, até adivinhos anunciavam o amanhã e indicavam remédios a todos os males.

A fineza de espírito dos velhos muscularmente enfraquecidos prevalecia assim sobre o fogo irrefletido dos fortes. Explorando as crenças que eles haviam ajudado a difundir, frágeis homens de pensamento fizeram-se temer e venerar pelas multidões. Diante deles inclinavam-se guerreiros intrépidos, chegando a se entregaram à morte por ordem dos representantes daqueles. Eis aí o triunfo do poder espiritual que muito abusa de seu absolutismo.

É preciso, todavia, reconhecer nesse poder espiritual um fator primordial do progresso humano. Foi ele o primeiro a subjugar a brutalidade instintiva, recorrendo aos únicos meios de que podia dispor. Ele soube colocar em causa os fantasmas da imaginação, para, graças a eles, exercer sua influência sobre as massas grosseiras. Eis aí o ponto de partida da Arte Sacerdotal, que sempre desempenhou o papel principal no governo dos homens.

Mas não nos apressemos em condenar antes de bem compreender. Nas coisas humanas, o bem e o mal se confundem: é preciso saber distingui-los sem preconceito. Reconhecer um e outro em todas as coisas é apanágio do Iniciado que soube colher o famoso fruto da árvore do conhecimento do Bem e do Mal. Nem toda psicologia do sacerdote-feiticeiro primitivo se resume aos subterfúgios de uma ambiciosa astúcia ou ao desejo egoísta de explorar a ingenuidade de outrem, porque somos obrigados a ver nele o precursor e nossos filósofos e de nossos sábios.

Para sustentar sua renomada sabedoria, ele deveria encontrar respostas para tudo e, em particular, para as questões que se colocavam diante dos fenômenos naturais. Depressa foi preciso imaginar uma cosmogonia, tudo atribuindo à ação de seres invisíveis, bons ou maus, concebidos à imagem do homem. Sucessivas gerações aprofundaram a seguir essas noções rudimentares, a partir das quais se desenvolveu, pouco a pouco, toda ciência dos tempos primitivos.

Ainda que saída da imaginação, essa ciência não é desprezível. Ela se traduz em mitos, em símbolos, em alegorias, em uma multiplicidade de práticas supersticiosas. Guardemo-nos de desdenhá-las. Quanto mais absurdas elas parecem à primeira vista, mais devem atrair nossa atenção, se, transmitidas de séculos em séculos e sem cessar combatidas pelas ortodoxias e pelo racionalismo, elas sobreviveram a despeito de tudo. A perseverança de sua sobrevivência não pode ser explicada a não ser por um fundo de verdade escondida, da qual elas são o veículo muito impuro, tal como uma pérola sob uma pilha de trapos esfarrapados. Como Mestres, cabe-nos descobrir essa pérola sem que nos deixar desencorajar por aquilo que a esconde da indiscrição profana.

Todavia, se a inteligência humana é respeitável até em seus primeiros balbucios, não se deve perder de vista que os espíritos sutis tendem a zombar dos ingênuos. A candura infantil dos povos primitivos deve ter estimulado a engenhosidade dos feiticeiros. Em presença das multidões dóceis a todas as sugestões, eles se atribuíram misteriosos poderes. Por estranhas cerimônias, sacrifícios e encantamentos, pretenderam conjurar deuses e demônios, determinar a boa e a má sorte e obter a realização de todas as suas fantasias. Assim se difundiu a crença na eficácia dos ritos mágicos, cuja tradição se manteve até os nossos dias, pois que nós os vemos praticados tanto pelo sacerdote da mais orgulhosa das religiões, quanto pelos humildes feiticeiros africanos.

Aqueles que exploram as superstições são, aliás, enganados por elas, a maior parte das vezes. Eles se acreditam investidos de poderes sobrenaturais que lhes foram magicamente transmitidos. É, pois, de boa fé que eles exercem seu ministério e que eles se fazem pagar por seus serviços, porque a primeira missão da Arte Sacerdotal foi sempre a de nutrir seus adeptos.

Além disso, os representantes do poder espiritual jamais desconheceram as vantagens de uma estreita aliança com os detentores do poder material. As concordatas não são menos velhas que o mundo, porque remontam à fundação das mais antigas dinastias. Não é, com efeito, na natureza das coisas, que uma tribo, sentindo-se mais forte embora menos favorecida que a vizinha, toma a resolução de pilhá-la? Para dirigir a operação de pilhagem, a escolha de um guerreiro enérgico se impõe. Ainda que andando à vontade, não é crível que o chefe militar triunfante tenha pressa para se despojar de sua autoridade temporária. A necessidade de defender o bem mal adquirido reclama um comando permanente. Os primeiros a compreendê-lo são os feiticeiros. Depois de haverem preparado a opinião pública, esses fiéis intérpretes da divindade intervêm, pois, muito a propósito, para administrar, de uma forma ou de outra, um sacramento equivalente à unção suprema. De repente, a tribo vitoriosa beneficia um governo estável, legítimo e regular.

Em se generalizando o processo, sacerdotes e reis reinam sobre os povos. Não fatalmente para a infelicidade dos governados, porque o interesse dos governantes é de bem cumprir sua tarefa, logo, de governar tão sabiamente quanto possível. Reis justos e sacerdotes honestos puderam colaborar para a felicidade dos rebanhos humanos dos quais se encarregaram. Também é certo que cuidados particulares foram prestados, no Egito e na Caldeia, à educação dos homens chamados a reinar espiritual ou materialmente. Escolas ensinaram uma Arte Sacerdotal, destinada a formar sacerdotes, e uma Arte Real, preparando reis.

Essa instrução superior, visando ao mais alto aperfeiçoamento intelectual e moral dos indivíduos, foi depois colocada ao alcance de todos os homens dignos de recebê-la. No decorrer da antiguidade clássica, constituíram-se, pois, numerosos centros de iniciação onde os mistérios foram revelados a uma elite cuidadosamente selecionada.

Oswald Wirth

Fonte: WIRTH, Oswald. LaFranc-Maçonnerie rendue intelligible àses adeptes. Le Maître. Paris: Dervy, 2003. 

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