A propósito

Depois de muito tempo afastada das traduções de Wirth, lentamente volto à sua obra. Não sei quem de nós dois teria mudado. Com sinceridade, em certos momentos, perco a noção do texto, o sentido das palavras e a melhor forma de colocá-las em português. Em outros momentos, discordo de suas ideias. Fico um tempo longe do Livro do Mestre e depois, devagar, me reaproximo para mais um parágrafo, mais um pequeno trecho, mais uma, duas, três páginas, às vezes um pouco mais.

Então me convenço de que pouco importa o que eu penso. Se concordo ou se discordo dele. O que importa de verdade é que ele fez o que fez inspirado em uma profunda noção de dever, noção esta que pressinto, e que torna perceptível o quilate do amor que ele experimentou. Amor pela Ordem à qual pertenceu e à qual, estou certa, ainda pertence. Amor pelos seus Irmãos iniciados e também pelos profanos aos quais não se dedicou menos. Pouco sei de sua vida, mas acredito que conheço um pouco de sua obra, pelas horas de meu tempo a ela dedicadas, não obstante minhas imperfeições e mesmo minha falta de entusiasmo. Doenças do espírito que adquiri com o tempo. Porque tempo houve em que eu era mais feliz ao fazer o que faço. Talvez porque visse mais além, divisando planos e o conjunto da obra. Hoje, o estado da Arte me escapa e pouco sei da finalidade do que faço. Não há porquês. Não mais. Nem justificativas.

Há como que um chamado nostálgico. Ainda que conheça alguma coisa de toda afortunada simbologia do Tarot, ao qual Wirth também se dedicou, ainda que saiba que há Sol, Estrelas, e mesmo Força, me aproximo timidamente do Eremita e a ele só peço que me mantenha sob seu manto, cujo interior é azul. Que meus passos, junto aos seus passos, sejam dados um de cada vez, mas firmemente, ainda que sob a fraca luz de uma lanterna, apenas suficiente para mais um ou dois de cada vez. Seguir com ele, caminhando a despeito da serpente, que não representa nenhuma ameaça, a despeito do deserto e a despeito do desconhecido que nos cerca. Na dúvida, seu bastão nos servirá de apoio. É uma caminhada sem destino certo, porque cada passo dado é a certeza de haver chegado, e isso basta para sossegar o espírito. Longe do Tempo, a pressa não importa. Posso dizer que Mercúrio faz pouco sentido diante de Saturno? Talvez, sim, pois a pressa é coisa do Tempo e, esgotado o Tempo, sob o paradigma da solidão daquele que já se foi, os sentidos não precisam fazer sentido, e valem apenas pelo que são. Penso que o Eremita deva ser paciente, e que me acolha, apesar de todas as minhas dúvidas e, pior ainda, de todas as minhas convicções.

Porém, com ou sem fé, esperança ou mesmo caridade, bem longe da luz, penso que estou aqui, e que as ideias daquele que não está mais entre nós persistem. Poder fazer parte, uma pequena parte desse todo, algum dia deve fazer algum sentido para alguém. Não sei. Mas, a essa altura, pouco importa.

 

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