Urbain Grandier, cônego de Loudun, foi vítima
de uma das mais trágicas e cruéis injustiças do século XVII. Acusado de
bruxaria e feitiçaria após supostas possessões demoníacas que tiveram lugar no Convento local, Grandier enfrentou um processo judicial marcado por manipulação,
preconceito e brutalidade. O diretor da comunidade das freiras Ursulinas, Mignon,
atribuiu a Grandier a culpa pelas possessões, acusando-o publicamente de feitiçaria. Os
capuchinhos de Loudun, que consideravam Grandier um inimigo, apoiaram a
acusação, enviando uma carta ao padre Joseph, confessor do cardeal Richelieu, na
qual acusavam Grandier de haver escrito um libelo que insultava o poderoso cardeal.
Richelieu, interessado em consolidar seu
controle sobre as fortificações de Loudun, ordenou uma investigação detalhada
sobre o caso das freiras endemoninhadas. O Padre
Laubardemont, leal ao cardeal, foi então encarregado de conduzir o inquérito.
Em dezembro de 1633, Grandier foi preso, e as acusações contra ele foram
reforçadas pelos testemunhos de Mignon e de seus aliados, que forneceram provas
tendenciosas. Durante o processo, Grandier foi constantemente apontado como o
responsável por ordenar que demônios possuíssem as Ursulinas. A investigação
foi marcada por manipulação e parcialidade, com o Padre Laubardemont seguindo
as ordens de Richelieu e manipulando os depoimentos para garantir a condenação
de Grandier. Apesar das evidências forjadas e das terríveis torturas que sofreu,
Grandier afirmou sua inocência até o fim, ao longo de todo o processo.
No dia 18 de agosto de 1634, a sentença contra
Grandier foi confirmada com base no depoimento dos demônios, incluindo
Astaroth, que, supostamente, haviam possuído as freiras. Após a sentença,
Grandier foi cruelmente raspado e preparado para a execução. No tribunal, ele
protestou sua inocência e rejeitou as alegações de feitiçaria. Durante a
tortura, manteve impressionante domínio sobre si, recusando-se a nomear
qualquer cúmplice e admitindo apenas um erro de sensibilidade amorosa. No dia
da execução, foi colocado em um carroção e conduzido à praça Sainte-Croix para
a execução. Uma cena peculiar chamou a atenção dos presentes: uma revoada de
pombos começou a voar em torno da fogueira onde Grandier estava prestes a ser
queimado. A presença dos pombos foi interpretada de diferentes maneiras pelos
espectadores. Para alguns, eles eram demônios enviados por Grandier; para
outros, eram um símbolo de sua inocência. Além disso, uma grande mosca apareceu
ao redor da cabeça de Grandier, gerando mais especulações. Quando o carrasco se
preparava para acender a fogueira, Grandier, em um gesto final de dignidade,
ajustou ele mesmo a corda ao redor de seu pescoço, lembrando-se da promessa de
uma morte rápida que, todavia, não se cumpriu. O padre Lactâncio, um dos mais
fervorosos perseguidores de Grandier, acendeu um pedaço de palha e o levou ao
rosto de Grandier, perguntando-lhe se não queria confessar. O condenado, com
calma e firmeza, respondeu ser inocente e não ter nada a confessar. Foi
queimado vivo.
A execução não pôs fim às tragédias. Um mês
depois da morte de Grandier, o padre Lactâncio morreu exatamente como previsto
pelo condenado pouco antes de seu suplicio. Outros inimigos de Grandier também
encontraram fins miseráveis, o que alguns interpretaram como uma forma de
retribuição divina. Jeanne des Anges, a freira que o acusara de bruxaria, atingida
por uma hemiplegia, ficou paralisada, morrendo em 29 de janeiro de 1665. As
ursulinas conservaram sua cabeça em um relicário, para veneração pelos féis,
porém, em 1772, o convento foi suprimido.
“Sabe-se bem,” disse Voltaire
acerca desse julgamento, “que o processo dos demônios de Loudun e do padre Grandier
destina-se à execrável memória dos insensatos criminosos que o acusaram
juridicamente de ter encantado as ursulinas, essas miseráveis jovens que se
disseram possuídas; à do infame juiz que o condenou a ser queimado vivo como
suposto feiticeiro; e à do cardeal Richelieu que, após ter feito tantos livros
de teologia, tantos versos ruins e tantas ações cruéis, enviou seu Laubardemont
para exorcizar freiras, expulsar demônios e queimar um padre.”
O caso de Urbain Grandier é lembrado como um
exemplo de extrema injustiça e brutalidade. Voltaire observou que o julgamento
dos "diabos de Loudun" e a condenação de Grandier permanecem como um
símbolo eterno da maldade dos acusadores e da injustiça do sistema judicial da
época.
Imagem: Gravure représentant le supplice des brodequins subit par Urbain Gandier. De Jean-Baptiste Reville (1767-1825) Wikipedia Commons