O homem, há perto de dez mil anos, entrega-se à arquitetura de templos, os mais variados, ali prcurando encontrar Esperança, o maior dos remédios criados para aplacar a angústia de sua existência, empregando nisso todos os esforços e mesmo sua própria vida. Os templos revelam, a seu modo, a sociedade que os constrói. São uma forma de expressão altamente reveladora. Mesmo não sendo religiosa, gosto de penetrar nesses monumentos, ora simples, ora grandiosos, e ali observar e sentir o ambiente, observando as pessoas, as linhas, as criaçoes artísticas, o estranho clima que torna o interior desse edifícios tão diferente do que seu exterior. Cada um é único a seu modo, fruto do empenho de gerações de homens que se eternizam através de suas obras.
Leio de tudo. Dos clássicos e acadêmicos até almanaques populares e bulas de remédio. Excluindo revistas em quadrinhos, devoro qualquer tipo de literatura, mesmo aquela vista como dejeto cultural. Certamente já li e escrevi muita coisa, traduzi outras tantas, e meus arquivos estão cheios de traças que vieram das alturas do Himalaia. Este blog, então, vai ser o canal de saberes fragmentados, oficiais e oficiosos, que os Mestres do Imaginário oferecem a nossa indiscrição.
O Sagrado
"Aquilo que, na música, pode ser compreendido por conceitos não é a própria música. Conhecer e compreender com a ajuda de conceitos não é a mesma coisa; ao contrário, frequentemente são coisas que se opõem e se excluem reciprocamente. A obscuridade misteriosa, que conceito algum pode dissipar, que cerca o numen significa nada menos que a impossibilidade de conhecê-lo. O Deus absconditus et incompreensibilis não era para Luthero, seguramente, um Deus ignotus. Ele O conhecia muito bem, com todo o pavor e o tremor de sua alma temente. Do mesmo modo o apóstolo Paulo conhecia a paz em sua incompreensibilidade e acima de toda razão".
Não se pode compreender Deus, mas se O sente, — disse Luthero.
Não se pode compreender Deus, mas se O sente, — disse Luthero.
OTTO, R. Le Sacré. L’Element non-rationnel dans l’idée du divin et as relation avec le rationnel. Paris, Payot,1949, p. 184.
Vaidade das Vaidades
Em todos os tempos, têm existido charlatões pontífices e hierofantes: prometem dar-nos uma ciência infalível, um poder ilimitado, a riqueza neste mundo e a felicidade no outro. Eles existem também em Maçonaria. Não pedem, em troca, mais que a confiança absoluta em suas palavras e serem reverenciados como semideuses. Inumeráveis são os que se deixam enganar e jactam-se de ser iniciados depois de chegarem a assimilar algumas doutrinas e de aprenderem a contentar-se com as miragens de certos fenômenos que mais pertencem à patologia. Mas as teorias que tudo explicam e os desequilíbrios psicofisiológicos nada têm a ver com a Verdadeira Iniciação. Esses charlatões permanecem todos na posse de seus metais...
Oswald Wirth
Oswald Wirth
Selo de Hetael
O Tempo
“O passado conserva todo seu valor nas criações das artes e das letras; cada individualidade permanece imutável no tempo e não pode se confundir com outras. Um poeta contemporâneo caracterizou esse sentimento da personalidade da arte e da impessoalidade da ciência por estas palavras: a arte sou eu; a ciência somos nós.”
Claude Bernard
Claude Bernard
A Câmara e seus Símbolos
O ingresso no neófito na Câmara de Reflexões talvez seja o momento menos lembrado e ainda o menos aprofundado de todas as vivências maçônicas. No entanto, é justamente lá que se encontram os princípios mais sublimes da Ordem, coisa que Wirth faz ver com simplicidade e coerência, encontrando alusões a todo simbolismo alquímico e mesmo a figuras do Tarô.
Entremos em nós mesmos, aprofundemos, diz Wirth. Fazendo abstração das aparências exteriores, é possível penetrar até o esqueleto da realidade despojada de todo ornamento sedutor. Quando Saturno houver assim realizado sua obra, o Galo de Mercúrio despertará nossa inteligência, aberta, desde então, às verdades iniciáticas. Aí está uma Tradição de muitos anos! Os antigos compararam esta operação a uma descida aos infernos. Trata-se, para o pensador, de penetrar até o centro das coisas, a fim de chegar a conhecê-las em sua essência íntima. O espírito deve aprisionar-se nas entranhas da terra, onde não se infiltra nenhum raio de luz exterior (pelas noções que nos fornecem os sentidos). No seio dessas trevas absolutas, a lâmpada da razão esclarece apenas fragmentos do esqueleto que parecem evocar espectros, lembrando assim a lanterna do Eremita. Restos de ossos figuram a realidade, tal como ela aparece, quando despojada de seus ornamentos sensíveis. É a verdade brutal, privada do véu das ilusões, a verdade toda nua que se esconde no fundo de um poço. Esse poço, que chega ao centro do mundo, é o interior do homem. É-lhe feita alusão na palavra VITRIOL, cuja interpretação era um grande segredo entre os alquimistas. As letras das quais ela se compõe recordavam-lhes a fórmula: Visita Interiora Terrae, Retificando Invenies Occultum Lapidem (Visita o interior da terra e, em retificando [pelas purificações], tu encontrarás a Pedra oculta dos Sábios). Esta Pedra, ― a famosa Pedra Filosofal, ― não é outra coisa senão que a Pedra Cúbica dos Franco-Maçons. É a base de certeza que cada um deve procurar em si mesmo, a fim de possuir a pedra angular (o núcleo de cristalização) da construção intelectual e moral que constitui a Grande Obra.
Os emblemas fúnebres da câmara de reflexões devem recordar o fim necessário das coisas, a fragilidade da vida humana e a vaidade das ambições terrestres. O Profano, depois de haver-se suficientemente absorvido nessa ordem de idéias, é convidado a responder por escrito a três perguntas, versando sobre seus deveres de homem em relação a Deus, em relação a ele mesmo e em relação a seus semelhantes. Esta divisão ternária de todas as nossas obrigações morais está baseada em três princípios alquímicos. Deus é aqui o ideal que o homem traz em si mesmo. É a concepção que ele pode ter do Verdadeiro, do Justo e do Belo, é o guia supremo de suas ações, o Arquiteto que preside à construção de seu ser moral. — Não se trata aqui do deus ídolo monstruoso que a superstição forja sobre o modelo dos déspotas terrestres. — A divindade está representada no homem por aquilo que aí existe de mais nobre, de mais generoso e de mais puro. Trazemos em nós um Deus que é nosso princípio pensante. Dele emanam a razão e a inteligência, coisas interiores que os hermetistas relacionaram ao Enxofre. (O sol oculto que brilha na morada dos mortos — Osíris — Serápis — Plutão — a Coluna J.’., centro da iniciativa e da ação expansiva). Os deveres em relação a si mesmo são relativos ao Mercúrio, que figura a influência penetrante do meio ambiente. Ora, tudo está necessariamente compreendido na reunião do conteúdo (Enxofre), do continente (Sal) e do ambiente (Mercúrio). As três questões colocadas abrangem, pois, todo o domínio da moral universal. Resolvendo-as, o pensador não deve ater-se à teoria. Renunciando a todas as fraquezas do passado, incumbe-lhe morrer para a vida profana, e renascer para um modo superior de existência. O Recipiendário prepara-se para esta morte simbólica, redigindo seu testamento, ato no qual ele consigna as vontades que se tornarão executórias para o futuro Iniciado.
Nos mistérios de Ceres a Eleusis, o Recipiendário representava a semente enterrada no solo. Ela aí sofria a putrefação, a fim de dar nascimento à planta virtualmente encerrada no gérmen. O profano submetido à Prova da Terra é, de maneira semelhante, chamado a colocar em jogo as energias latentes que traz em si mesmo. A iniciação tem por objetivo favorecer a plena expansão de sua individualidade. Veja bem que o cárcere subterrâneo do futuro iniciado contém um pão e um cântaro com água. É a reserva alimentar que, no fruto e no ovo, serve para nutrir o gérmen em estado de desenvolvimento. O sábio deve aprender a contentar-se com o necessário, sem se tornar escravo do supérfluo.E existem ainda as inscrições. Os muros da cripta trazem inscrições, tais como as seguintes: — Se a curiosidade aqui te conduz, vai-te! — Se temes ser esclarecido sobre teus defeitos, estarás mal entre nós. — Se és capaz de dissimulação, treme, serás descoberto. — Se te aténs às distinções humanas, sai, não se as reconhece aqui! — Se tua alma sente o terror, não vá mais longe! — Se perseverares, serás purificado pelos elementos, sairás do abismo das trevas, tu verás a Luz! — Todas essas sentenças estão agrupadas em torno de um Galo e de uma ampulheta, emblemas pintados que acompanham as palavras: Vigilância (sobre tuas ações), Perseverança (no bem). A Ampulheta é um atributo de Saturno, o Tempo, que corre dissolvendo todas as formas transitórias (putrefação, — cor negra dos Alquimistas). O Galo faz alusão ao despertar das forças adormecidas. Ele anuncia o fim da noite e o triunfo próximo da luz sobre as trevas. Ah! Existe ainda o sal e o enxofre... Coisa que ninguém mais lembra! O Ritual prescreve colocar, diante do Recipiendário, dois vasos: um deles contendo Sal, outro, Enxofre. A que se deve esta prática? Esta prática não pode se justificar, a não ser pela teoria dos três princípios alquímicos: Enxofre, Mercúrio e Sal. Coisa de alquimistas... Sim. O Enxofre corresponde à energia expansiva que parte do centro de todo ser (Coluna J.’.). Sua ação opõe-se àquela do Mercúrio, que penetra todas as coisas por uma influência vinda do exterior (Coluna B.’.). Essas duas forças antagônicas se equilibram no Sal, princípio de cristalização que representa a parte estável do ser. Observe-se que lá dentro não há mercúrio! É que o pensador não pode se recolher, senão se isolando das influências mercuriais. Eis por que, na Câmara de Reflexões, o Enxofre, princípio de iniciativa e de ação pessoal, deve unicamente agir sobre o Sal, símbolo de tudo aquilo que, do ponto de vista intelectual, moral e físico, constitui a própria essência da personalidade.
Os emblemas fúnebres da câmara de reflexões devem recordar o fim necessário das coisas, a fragilidade da vida humana e a vaidade das ambições terrestres. O Profano, depois de haver-se suficientemente absorvido nessa ordem de idéias, é convidado a responder por escrito a três perguntas, versando sobre seus deveres de homem em relação a Deus, em relação a ele mesmo e em relação a seus semelhantes. Esta divisão ternária de todas as nossas obrigações morais está baseada em três princípios alquímicos. Deus é aqui o ideal que o homem traz em si mesmo. É a concepção que ele pode ter do Verdadeiro, do Justo e do Belo, é o guia supremo de suas ações, o Arquiteto que preside à construção de seu ser moral. — Não se trata aqui do deus ídolo monstruoso que a superstição forja sobre o modelo dos déspotas terrestres. — A divindade está representada no homem por aquilo que aí existe de mais nobre, de mais generoso e de mais puro. Trazemos em nós um Deus que é nosso princípio pensante. Dele emanam a razão e a inteligência, coisas interiores que os hermetistas relacionaram ao Enxofre. (O sol oculto que brilha na morada dos mortos — Osíris — Serápis — Plutão — a Coluna J.’., centro da iniciativa e da ação expansiva). Os deveres em relação a si mesmo são relativos ao Mercúrio, que figura a influência penetrante do meio ambiente. Ora, tudo está necessariamente compreendido na reunião do conteúdo (Enxofre), do continente (Sal) e do ambiente (Mercúrio). As três questões colocadas abrangem, pois, todo o domínio da moral universal. Resolvendo-as, o pensador não deve ater-se à teoria. Renunciando a todas as fraquezas do passado, incumbe-lhe morrer para a vida profana, e renascer para um modo superior de existência. O Recipiendário prepara-se para esta morte simbólica, redigindo seu testamento, ato no qual ele consigna as vontades que se tornarão executórias para o futuro Iniciado.
Nos mistérios de Ceres a Eleusis, o Recipiendário representava a semente enterrada no solo. Ela aí sofria a putrefação, a fim de dar nascimento à planta virtualmente encerrada no gérmen. O profano submetido à Prova da Terra é, de maneira semelhante, chamado a colocar em jogo as energias latentes que traz em si mesmo. A iniciação tem por objetivo favorecer a plena expansão de sua individualidade. Veja bem que o cárcere subterrâneo do futuro iniciado contém um pão e um cântaro com água. É a reserva alimentar que, no fruto e no ovo, serve para nutrir o gérmen em estado de desenvolvimento. O sábio deve aprender a contentar-se com o necessário, sem se tornar escravo do supérfluo.E existem ainda as inscrições. Os muros da cripta trazem inscrições, tais como as seguintes: — Se a curiosidade aqui te conduz, vai-te! — Se temes ser esclarecido sobre teus defeitos, estarás mal entre nós. — Se és capaz de dissimulação, treme, serás descoberto. — Se te aténs às distinções humanas, sai, não se as reconhece aqui! — Se tua alma sente o terror, não vá mais longe! — Se perseverares, serás purificado pelos elementos, sairás do abismo das trevas, tu verás a Luz! — Todas essas sentenças estão agrupadas em torno de um Galo e de uma ampulheta, emblemas pintados que acompanham as palavras: Vigilância (sobre tuas ações), Perseverança (no bem). A Ampulheta é um atributo de Saturno, o Tempo, que corre dissolvendo todas as formas transitórias (putrefação, — cor negra dos Alquimistas). O Galo faz alusão ao despertar das forças adormecidas. Ele anuncia o fim da noite e o triunfo próximo da luz sobre as trevas. Ah! Existe ainda o sal e o enxofre... Coisa que ninguém mais lembra! O Ritual prescreve colocar, diante do Recipiendário, dois vasos: um deles contendo Sal, outro, Enxofre. A que se deve esta prática? Esta prática não pode se justificar, a não ser pela teoria dos três princípios alquímicos: Enxofre, Mercúrio e Sal. Coisa de alquimistas... Sim. O Enxofre corresponde à energia expansiva que parte do centro de todo ser (Coluna J.’.). Sua ação opõe-se àquela do Mercúrio, que penetra todas as coisas por uma influência vinda do exterior (Coluna B.’.). Essas duas forças antagônicas se equilibram no Sal, princípio de cristalização que representa a parte estável do ser. Observe-se que lá dentro não há mercúrio! É que o pensador não pode se recolher, senão se isolando das influências mercuriais. Eis por que, na Câmara de Reflexões, o Enxofre, princípio de iniciativa e de ação pessoal, deve unicamente agir sobre o Sal, símbolo de tudo aquilo que, do ponto de vista intelectual, moral e físico, constitui a própria essência da personalidade.
Do Livro da Sorte de Ramon
Ela vos é conhecida?
Conhecer a acácia é possuir as noções iniciáticas que conduzem à descoberta do segredo do Mestrado. Para assimilar este segredo, o adepto deve fazer reviver nele a Sabedoria morta. Para essa finalidade, ele deve imitar Ísis, que percorreu toda a Terra à procura dos pedaços do corpo de seu esposo. Esses vestígios preciosos são recolhidos pelo pensador que sabe discernir a verdade escondida sob o monte de superstições que o passado nos legou. O cadáver espiritual de um deus que outrora esclarecia o mundo subsiste repartido entre as massas ignorantes sob a forma de crenças persistentes, a despeito de sua oposição às ortodoxias admitidas. Longe de desdenhar esses restos desfigurados de uma sapiência perdida, o iniciado reúne-os piedosamente, a fim de reconstituir em seu conjunto o corpo da doutrina morta. Restabelecida em sua síntese, esta doutrina se torna revificável, como Hiram ou Osíris. Mas, sem a acácia reveladora, como saber onde cavar o solo?
Oswald Wirth
Oswald Wirth
Os Falsos Adeptos
A alquimia, não obstante a seriedade com que é até hoje encarada por muita gente, mostrou-se no passado um terreno fértil bastante apropriado ao manejo de hábeis mistificações. Houve fabricantes de ouro aos quais reis e príncipes queriam se ligar, fazedores de moeda falsa, iluminados escroques que funcionaram por séculos. Surgindo bruscamente num país, desapareciam para surgir alhures, abusando dos crédulos da maneira mais vergonhosa. Nunca lhes faltou uma corte de ingênuos encantados com sua suposta sabedoria. No século XVII, um certo Georges Sabellicus foi célebre em muitos países pela autoridade que adquiriu, fazendo-se passar por chefe supremo dos astrólogos e alquimistas. Milhares de mulheres idosas viam esse alemão como se fosse um deus. Deixando-as nuas, ele vendia-lhes talismãs reputados infalíveis para a fabricação de ouro. Infalível parece ter sido sua habilidade e, certamente, a ela se deve sua merecida fama.
O famoso César, curioso charlatão que viveu em Paris ao tempo de Henrique IV, comerciava toda sorte de talentos, indo dos talismãs à evocação do diabo, sem falar na prática da prestidigitação e transmutação dos metais, é claro. Era muito inteligente, e vangloriava-se de poder fazer aparecerem demônios cornudos e, como convém, munidos de cascos e da inevitável cauda. Aqueles que haviam assistido à exibição de Belzebu encontraram-se todos, após a sessão, profundamente abatidos, segundo ele. O bom-humor de César, todavia, não impediu que ele caísse nas mãos de agentes do rei que se encarregaram de alojá-lo gratuitamente na prisão. Seu brusco desaparecimento fez correr o boato, em 1611, de que César fora carregado pelo diabo.
Henrique I deixou-se seduzir por um pretenso rosa-cruz errante que encontrou em Sedan. Vangloriava-se de possuir o segredo da Grande Obra. Seu método era muito simples: um miraculoso pó vermelho de seu preparo devia ser acrescentado a óxido de chumbo cristalizado, e o rei acabou comprando o produto. A mesma peça foi amplamente empregada por outros charlatões, nem todos com muita sorte. Foi o caso de um que acabou queimando como uma tocha, juntamente com toda a parafernália que usara para enganar, durante dois anos, uma princesa inglesa.
O iluste Saint-Germain, sobre o qual há controvérsias até hoje, não pode deixar de integrar nossa plêiade de alquimistas, logo ele, que soube tão bem desfrutar de fama e prestígio à sombra do trono de ninguém menos que Luis XV, Rei de França, que o recebeu, note-se bem, graças à influência de Madame de Pompadour. Charme era o que parece não lhe haver faltado jamais. Estranho, enigmático, contraditório, de origem incerta, alegava ter 4.000 anos de idade. Afirmou haver estado presente às bodas de Canaã, e possuir, — como duvidar? — o elixir da longa vida, a água da juventude, o segredo de aumentar o volume das pérolas... E era singularmente acreditado! Também pudera! Além de um certo encanto, possuía inteligência e, ao contrário dos charlatões vulgares, Saint-Germain não era imprudente, não falava demais, como o faria um fanático nem seduzia como um falso cientista. Em todo caso, quando falava, podemos imaginá-lo afastando o tédio dos nobres salões que freqüentava, narrando suas vidas passadas, cuja lembrança permanecia viva em sua memória. Ao seu redor, formou-se um grande séqüito. Não lhe faltaram amigos nem dinheiro e, imponente, desfilou pela vida caminhando firme por sobre o tapete que a credulidade geral soube estender por debaixo de seus elegantes e bem calçados pés. Consta que morreu em 1784.
Também sutil e não menos inteligente, mais um aventureiro célebre que, entre outras coisas, fabricou ouro, foi o encantador Casanova. Conseguindo fazer-se passar por “adepto” ele vendeu para a crédula Marquesa d’Urfé temíveis segredos. No Castelo de Pontcarré, o hábil veneziano persuadiu a velha louca de que ele obtinha à vontade o ouro filosófico, graças ao auxílio de uma árvore ou fuso de projeção. A própria Marquesa tentaria, através de uma operação de gênero especial e peculiar, a procriação de um ser sobrenatural, cujo nome era Horosmasdis e no qual a alma de Madame d’Urfé encontraria um invólucro especial.
Mas creio que esses exemplos já são o bastante. Muito embora essas excentricidades possam ser jocosas e mesmo hilariantes, o fato é que a procura da pedra filosofal, oferecendo a possibilidade de transmutar os metais mais ordinários em ouro, apaixonou numerosos senhores, reis e rainhas: uns sonhando com o fausto e a glória que acompanha a fortuna; outros, com um modo rápido de cobrir déficits públicos, ou mesmo um patrimônio pessoal julgado insuficiente. Os verdadeiros alquimistas, porém, probos e sábios, jamais aceitariam trabalhar atrelados a coroas. Eram sinceros, sensíveis e não desejavam enganar ninguém. Não se os pode conceber capazes de prostituir a ciência que consideravam sagrada, tornando-a um “meio” e não um “fim”.
O famoso César, curioso charlatão que viveu em Paris ao tempo de Henrique IV, comerciava toda sorte de talentos, indo dos talismãs à evocação do diabo, sem falar na prática da prestidigitação e transmutação dos metais, é claro. Era muito inteligente, e vangloriava-se de poder fazer aparecerem demônios cornudos e, como convém, munidos de cascos e da inevitável cauda. Aqueles que haviam assistido à exibição de Belzebu encontraram-se todos, após a sessão, profundamente abatidos, segundo ele. O bom-humor de César, todavia, não impediu que ele caísse nas mãos de agentes do rei que se encarregaram de alojá-lo gratuitamente na prisão. Seu brusco desaparecimento fez correr o boato, em 1611, de que César fora carregado pelo diabo.
Henrique I deixou-se seduzir por um pretenso rosa-cruz errante que encontrou em Sedan. Vangloriava-se de possuir o segredo da Grande Obra. Seu método era muito simples: um miraculoso pó vermelho de seu preparo devia ser acrescentado a óxido de chumbo cristalizado, e o rei acabou comprando o produto. A mesma peça foi amplamente empregada por outros charlatões, nem todos com muita sorte. Foi o caso de um que acabou queimando como uma tocha, juntamente com toda a parafernália que usara para enganar, durante dois anos, uma princesa inglesa.
O iluste Saint-Germain, sobre o qual há controvérsias até hoje, não pode deixar de integrar nossa plêiade de alquimistas, logo ele, que soube tão bem desfrutar de fama e prestígio à sombra do trono de ninguém menos que Luis XV, Rei de França, que o recebeu, note-se bem, graças à influência de Madame de Pompadour. Charme era o que parece não lhe haver faltado jamais. Estranho, enigmático, contraditório, de origem incerta, alegava ter 4.000 anos de idade. Afirmou haver estado presente às bodas de Canaã, e possuir, — como duvidar? — o elixir da longa vida, a água da juventude, o segredo de aumentar o volume das pérolas... E era singularmente acreditado! Também pudera! Além de um certo encanto, possuía inteligência e, ao contrário dos charlatões vulgares, Saint-Germain não era imprudente, não falava demais, como o faria um fanático nem seduzia como um falso cientista. Em todo caso, quando falava, podemos imaginá-lo afastando o tédio dos nobres salões que freqüentava, narrando suas vidas passadas, cuja lembrança permanecia viva em sua memória. Ao seu redor, formou-se um grande séqüito. Não lhe faltaram amigos nem dinheiro e, imponente, desfilou pela vida caminhando firme por sobre o tapete que a credulidade geral soube estender por debaixo de seus elegantes e bem calçados pés. Consta que morreu em 1784.
Também sutil e não menos inteligente, mais um aventureiro célebre que, entre outras coisas, fabricou ouro, foi o encantador Casanova. Conseguindo fazer-se passar por “adepto” ele vendeu para a crédula Marquesa d’Urfé temíveis segredos. No Castelo de Pontcarré, o hábil veneziano persuadiu a velha louca de que ele obtinha à vontade o ouro filosófico, graças ao auxílio de uma árvore ou fuso de projeção. A própria Marquesa tentaria, através de uma operação de gênero especial e peculiar, a procriação de um ser sobrenatural, cujo nome era Horosmasdis e no qual a alma de Madame d’Urfé encontraria um invólucro especial.
Mas creio que esses exemplos já são o bastante. Muito embora essas excentricidades possam ser jocosas e mesmo hilariantes, o fato é que a procura da pedra filosofal, oferecendo a possibilidade de transmutar os metais mais ordinários em ouro, apaixonou numerosos senhores, reis e rainhas: uns sonhando com o fausto e a glória que acompanha a fortuna; outros, com um modo rápido de cobrir déficits públicos, ou mesmo um patrimônio pessoal julgado insuficiente. Os verdadeiros alquimistas, porém, probos e sábios, jamais aceitariam trabalhar atrelados a coroas. Eram sinceros, sensíveis e não desejavam enganar ninguém. Não se os pode conceber capazes de prostituir a ciência que consideravam sagrada, tornando-a um “meio” e não um “fim”.
O Mito de Ísis e Osiris
Na mitologia egípcia, Isis e Osíris representavam os mais antigos soberanos do delta do Nilo em tempos imemoriais. Em seu reinado, o Egito floresce, porque as duas divindades civilizaram essa terra e sua gente, aí introduzindo a agricultura, artes, ofícios, templos e a correta veneração dos deuses. Osíris, todavia, possuía um rival e inimigo: seu irmão gêmeo Set ou Typhon, que em grego significa “insolência” ou “orgulho”. Set queria governar o país e estava constantemente conspirando contra a família real. Durante uma viagem de Osíris, quando Isis governava sozinha, Set tramou, com 72 conspiradores, a morte do Rei. Vale ressaltar aqui a alusão solar, pois se trata de uma divisão típica do zodíaco. Set havia, secretamente, medido o corpo de Osíris e construído uma arca especial capaz de conter o Rei. Assim, no retorno de Osíris, convidou-o, juntamente com os conspiradores, para uma festa de boas-vindas. Isis alertou o marido para não ir, mas Osíris disse-lhe nada temer da parte de seu frágil irmão.
Na festa, a arca foi admirada por todos os convidados, e Set prometeu dá-la de presente à pessoa cujo corpo nela se encaixasse. Um após outro, os convivas tentaram, mas tinham todos tamanhos errados. Finalmente, Osíris entrou na arca e Set e os conspiradores fecharam a tampa, pregaram-na e selararam-na com chumbo derretido, atirando o esquife ao Nilo.
Na crença egípcia, o corpo tinha de ser enterrado com os ritos fúnebres corretos, para que a alma não vagasse eternamente pela terra. Isis, tomada de dor, pôs-se a procurar o corpo do esposo, subindo e descendo o Nilo, e perguntando a quem encontrava se havia divisado a arca. Finalmente, algumas crianças contaram que haviam visto o esquife na cabeceira do rio, flutuando em direção ao mar e parando no litoral de Biblos, na Síria, preso aos ramos de uma tamargueira. O rei de Biblos, todavia, derrubou a árvore, sem perceber o ataúde de Osíris preso ao tronco, transformando-a num pilar para o teto de seu palácio. Persistente, Isis navegou até Biblos e, valendo-se de ardis, tornou-se aia na casa real, servindo à rainha Astarte, mesmo nome da deusa da fertilidade adorada em Tiro, Sidon e Canaã. Através de sua amizade com jovem rainha, Ísis persuadiu o rei a cortar a árvore, libertando o corpo de Osíris, levando então o corpo de seu marido de volta ao Egito, onde o pilar da tamargueira tornou-se um objeto de culto. Uma vez no Egito, Ísis deixa a arca num local seguro, enquanto vai à procura de Hórus, seu filho. Set, entretanto, soube de seu retorno e, durante uma caçada, descobriu o esconderijo da arca. Tomado pelo ódio, ele desmembra o corpo de Osíris, espalhando os 14 pedaços por todo o Egito.
Quando Ísis foi informada desse novo ultraje, percorreu todo o país e, sempre que encontrava uma parte do corpo, erigia um santuário para marcar o lugar. Cada um destes sítios sagrados situava-se numa elevação. O local do sepultamento foi marcado com uma árvore, para significar que Osíris se ergueria de entre os mortos. A décima quarta parte do corpo de Osíris, – o seu pênis, – jamais foi encontrada, por haver sido engolida por um peixe. Ísis faz, então, uma réplica em ouro do pênis do esposo e o enterra em Mendes, sede de um Templo dedicado ao culto do deus bode, daí a expressão “Bode de Mendes”. Osíris tornou-se o foco do culto da ressurreição no Egito dinástico, e seus adoradores acreditavam que, pela prática de seus ritos, conquistariam a vida eterna após a morte.
Tanto nos mistérios maçônicos como nos egípcios, o “deus” ressuscitado é enterrado sobre uma montanha, numa tumba marcada por uma árvore. Osíris era também chamado o senhor da acácia, mesma árvore plantada no túmulo de Hiran Abiff por seus três assassinos. Em ambos os mitos, encontra-se uma clara utopia política e social que se exprime através de uma doutrina revelada por elementos simbólicos e espirituais, num claro apelo à formação de ideais civilizadores.
Na festa, a arca foi admirada por todos os convidados, e Set prometeu dá-la de presente à pessoa cujo corpo nela se encaixasse. Um após outro, os convivas tentaram, mas tinham todos tamanhos errados. Finalmente, Osíris entrou na arca e Set e os conspiradores fecharam a tampa, pregaram-na e selararam-na com chumbo derretido, atirando o esquife ao Nilo.
Na crença egípcia, o corpo tinha de ser enterrado com os ritos fúnebres corretos, para que a alma não vagasse eternamente pela terra. Isis, tomada de dor, pôs-se a procurar o corpo do esposo, subindo e descendo o Nilo, e perguntando a quem encontrava se havia divisado a arca. Finalmente, algumas crianças contaram que haviam visto o esquife na cabeceira do rio, flutuando em direção ao mar e parando no litoral de Biblos, na Síria, preso aos ramos de uma tamargueira. O rei de Biblos, todavia, derrubou a árvore, sem perceber o ataúde de Osíris preso ao tronco, transformando-a num pilar para o teto de seu palácio. Persistente, Isis navegou até Biblos e, valendo-se de ardis, tornou-se aia na casa real, servindo à rainha Astarte, mesmo nome da deusa da fertilidade adorada em Tiro, Sidon e Canaã. Através de sua amizade com jovem rainha, Ísis persuadiu o rei a cortar a árvore, libertando o corpo de Osíris, levando então o corpo de seu marido de volta ao Egito, onde o pilar da tamargueira tornou-se um objeto de culto. Uma vez no Egito, Ísis deixa a arca num local seguro, enquanto vai à procura de Hórus, seu filho. Set, entretanto, soube de seu retorno e, durante uma caçada, descobriu o esconderijo da arca. Tomado pelo ódio, ele desmembra o corpo de Osíris, espalhando os 14 pedaços por todo o Egito.
Quando Ísis foi informada desse novo ultraje, percorreu todo o país e, sempre que encontrava uma parte do corpo, erigia um santuário para marcar o lugar. Cada um destes sítios sagrados situava-se numa elevação. O local do sepultamento foi marcado com uma árvore, para significar que Osíris se ergueria de entre os mortos. A décima quarta parte do corpo de Osíris, – o seu pênis, – jamais foi encontrada, por haver sido engolida por um peixe. Ísis faz, então, uma réplica em ouro do pênis do esposo e o enterra em Mendes, sede de um Templo dedicado ao culto do deus bode, daí a expressão “Bode de Mendes”. Osíris tornou-se o foco do culto da ressurreição no Egito dinástico, e seus adoradores acreditavam que, pela prática de seus ritos, conquistariam a vida eterna após a morte.
Tanto nos mistérios maçônicos como nos egípcios, o “deus” ressuscitado é enterrado sobre uma montanha, numa tumba marcada por uma árvore. Osíris era também chamado o senhor da acácia, mesma árvore plantada no túmulo de Hiran Abiff por seus três assassinos. Em ambos os mitos, encontra-se uma clara utopia política e social que se exprime através de uma doutrina revelada por elementos simbólicos e espirituais, num claro apelo à formação de ideais civilizadores.
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