A Velhice

"Logo depois, estava retratada a Velhice, um passo atrás do lugar que deveria ocupar, pois ela mal se mantinha em pé, de tão velha e maltratada. Sua beleza havia murchado, tornara-se muito feia. Tinha a cabeça velha e branca, como se os cabelos tivessem florescido. Meu Deus, sua morte não seria uma grande perda nem uma grande desgraça, pois todo o seu corpo havia secado e se enrugado pela idade. Seu rosto, cheio de rugas, outrora fora suave e liso; agora estava repleto de cicatrizes. Suas orelhas eram cabeludas e não lhe restava nenhum dente, pois havia perdido todos. Era tão velha que parecia que não podia andar quatro passos sem a ajuda de muletas. O tempo, que corre noite e dia sem pausa nem repouso, passa por nós tão silenciosamente que por um momento acreditamos que ele se deteve, quando na verdade nunca descansa nem deixa de correr, de forma que não se pode pensar que existe o presente; e, se perguntares a um homem douto nas letras, antes que ele tenha respondido, haverá transcorrido três tempos. O tempo, aquele que não pode ser detido e que sempre avança sem voltar, como a água que flui sem que regresse uma gota; o tempo, a quem ninguém resiste, nem o ferro, nem qualquer outro objeto duro; o tempo, que faz com que as coisas cresçam depressa, que rapidamente cria e tudo destrói e faz apodrecer; o tempo, que envelheceu nossos pais, que envelheceu prematuramente reis e imperadores, e que todos nós tornará velhos e adiantará nossa morte; o tempo, que tem o poder de envelhecer todas as coisas, a havia envelhecido tanto que, em minha opinião, fez com que ela não pudesse amparar-se sozinha, e assim, a fez retornar à infância, pois não tinha mais capacidade, nem força e juízo que um menino de um ano de idade. Embora, segundo creio, ela tivesse sido discreta e culta quando estava na idade madura, nada havia lhe restado e ficara atordoada". ROMANCE DA ROSA, Guilherme de Lorris (1200-1230). Trad.: Sonia R. Peixoto.