Nesta quinta-feira, celebra-se Corpus Christi, uma das festas mais importantes da tradição católica romana. Mais que um feriado, é dia de contemplação, memória e adoração.
Celebrada sempre na quinta-feira após a solenidade da Santíssima Trindade, a festa de Corpus Christi remonta ao século XIII, quando foi instituída pelo Papa Urbano IV, atendendo aos anseios espirituais de Santa Juliana de Cornillon (c. 1193–1258), de Liège, atual Bélgica. Órfã muito jovem, ela foi educada em um convento agostiniano onde teve visões místicas, nas quais viu a lua cheia com uma mancha escura. Por revelação divina, soube que a mancha representava a ausência de uma festa litúrgica dedicada ao Santíssimo Sacramento no calendário da Igreja. Tocada por esse chamado interior, Juliana, discretamente, mas com constância, passou a pedir que a Igreja instituísse uma festa eucarística. Seu confessor, o cônego João de Lausanne, e o futuro Papa Urbano IV, então arcediago de Liège, reconheceram a autenticidade de sua experiência e levaram a proposta adiante. Em 1264, a festa foi instituída oficialmente com a bula Transiturus de hoc mundo, com hinos compostos por São Tomás de Aquino. Juliana não viveu para ver a festa que tanto desejou, pois morreu seis anos antes, em odor de santidade, mas exilada por pressões políticas às quais não cedeu. Séculos depois, em 1869, ela foi oficialmente canonizada por Pio IX. Santa Juliana de Cornillon é hoje lembrada como padroeira das adoradoras e promotora da Festa de Corpus Christi.
O mistério eucarístico inspirou gerações de artistas, músicos e artesãos. Tal arte reflete uma teologia visual, ou seja, um modo de falar de Deus para os sentidos, como nos ensina o próprio simbolismo litúrgico. Na pintura, mestres como Pedro Berruguete, Joos van Wassenhove e Giovanni Battista Tiepolo deram rosto e cor ao mistério do altar. A obra A Missa de São Gregório, do século XV, por exemplo, mostra Cristo surgindo sobre o altar em corpo glorioso, testemunho visual da doutrina da transubstanciação. Também é marcante a representação de procissões, como nas telas barrocas ibéricas, onde a rua se torna templo e o chão, tapete. Na música sacra, o Corpus Christi nos legou alguns dos hinos mais sublimes da tradição latina. Todos compostos por ninguém menos que São Tomás de Aquino, a pedido do próprio Papa: Pange Lingua Gloriosi Corporis Mysterium (cujo último trecho forma o célebre Tantum Ergo); Lauda Sion Salvatorem; Adoro Te Devote; Verbum Supernum Prodiens. Esses hinos são verdadeiros monumentos litúrgico-musicais.
Para a fé católica, a Eucaristia não é símbolo apenas, mas presença real. É o mistério da transubstanciação, pelo qual a substância do pão e do vinho se converte na substância de Cristo, embora os acidentes (cor, sabor, forma) permaneçam os mesmos. Celebrar Corpus Christi é reafirmar essa fé, professada há séculos em cada Missa. E é por isso que a procissão eucarística pelas ruas tem lugar central: é Cristo caminhando no meio de seu povo, é o altar saindo do templo para abençoar o mundo. Neste dia, a arte se curva à teologia e a cidade se veste de fé. Tapetes de serragem, flores, folhas e cores se tornam um caminho real para o Rei oculto na Hóstia consagrada.