Os Sete Pecados Capitais e as Quatro Últimas Coisa de Hieronymus Bosch

Pecados e Virtudes têm lá sua simetria. Essas correspondências nos vêm de séculos de tradição católica, onde cada pecado capital pode ser vencido por uma virtude que fortalece a alma. A lista pode variar ligeiramente nos nomes ― como "caridade" e "generosidade" ―, mas as combinações padrão que seguem encontram eco em fontes clássicas. Bom lembrar que pecados capitais são assim chamados porque eles abrem as portas da alma para outros pecados, complicando tudo para o pecador. A correspondência os sete pecados capitais e as virtudes opostas nos vêm da tradição cristã, especialmente da teologia medieval, como Tomás de Aquino e a escolástica. É uma correspondência bem consolidada: Gula x Temperança: Gula é todo excesso no comer, beber. Temperança é o equilíbrio, é saber se controlar sem ceder a exageros. Avareza x Generosidade: Avareza é o apego mesquinho ao dinheiro ou bens. Generosidade ― ou caridade, no sentido de desapego ― é abrir mão, compartilhar, doar com o coração. Às vezes o termo vem substituído por "caridade", todavia, generosidade é o termo que se opõe mais diretamente à avareza. Luxúria x Castidade: Luxúria é o desejo descontrolado, muitas vezes sexual, que ignora respeito ou limites. Castidade não é só "abstinência". É também pureza de intenção e controle dos impulsos. Ira x Paciência: Ira é a raiva explosiva, o ódio que destrói. Paciência é a calma que absorve provocações, que escolhe entender em vez de revidar. Inveja x Caridade: Inveja é sofrer com o sucesso alheio, querer o que o outro tem. Caridade, aqui, é no sentido de amor genuíno ― "amor ao próximo" ― que leva a se alegrar com a felicidade alheia. Alguns textos modernos chamam a isso "benevolência", mas caridade é o termo tradicionalmente consagrado. Preguiça x Diligência: Preguiça ― ou acídia, apatia, melancolia ― é a negligência não só física, como espiritual. É fugir a responsabilidades ou propósitos. Diligência é o oposto: esforço, compromisso, trabalho. Soberba x Humildade: Soberba é sentir-se superior aos outros. Humildade é reconhecer que ninguém é perfeito, valorizar os outros e aceitar limitações.

Todavia, esta postagem vai passar batido pelas virtudes para se concentrar nos pecados. Na ilustração, Os Sete Pecados Capitais e as Quatro Últimas Coisas, obra pintada por Hieronymus Bosch por volta de 1500. Ele trabalhou magistralmente a ideia dos pecados. No centro, o olho divino observa e adverte: Cave, Cave, Deus Videt — "Cuidado, cuidado, Deus vê". Mas o que Ele vê? Pelas janelas não apenas Deus, mas nós também podemos ver uma série de sete cenas cujos detalhes impressionantes nos mostram os sete pecados.

Gula: A mesa farta é como um campo de batalha. Um homem magro engole vinho de um jarro, como se sua sede fosse eterna; outro, inchado de excessos, é cutucado por uma criança obesa que exige mais. A abundância os obceca; o permanece. 

Preguiça: Um homem desaba numa cadeira, o corpo entregue ao sono. Um gato descansa aos seus pés, indiferente. Uma mulher segura um rosário, seus olhos parecem implorar que ele acorde para a vida. O peso da apatia o prende ao assento e ele permanece alheio à vida. 

Luxúria: Numa tenda, três casais se rendem ao desejo. Instrumentos musicais quebrados jazem no chão, misturados a taças de vinho tombadas. A mesa parece ceder sob o peso de comida e bebida. 

Soberba: Uma mulher fita o espelho, fascinada pelo próprio reflexo. Um chapéu novo é sua coroa, mas ela não vê o demônio que sustenta o vidro, espreitando com um sorriso cruel, metade do corpo escondido atrás de um armário. A vaidade a engana. 

Ira: Dois homens se defrontam. O ódio brilha neles. Punhos erguidos, palavras cortantes. Uma mulher intervém para apaziguar, mas a raiva sai vitoriosa. 

Inveja: Um homem lança um olhar amargo ao rival, o coração corroído pelo que não possui. 

Avareza: Um juiz, cego à justiça, abre a mão para um saco de moedas. A balança pende, esquecida. Sua toga não esconde a alma vendida ao suborno.

E as últimas quatro coisas?

A Morte, com o moribundo recebendo a Extrema Unção, enquanto, atrás da cabeceira do leito, se pode ver a Morte com uma lança, um anjo e um demônio. Há muitos personagens. Um padre lê, outro segura um crucifixo, Há uma freira e outro religioso que segura um recipiente que pode ser água benta. Há um provável Tabelião. Mais ao fundo, duas mulheres conversam e podemos ver um gato perto da porta. É, sem dúvida, o cerimonial da morte esperada.

O Juizo Final mostra Jesus em toda sua glória, diante dos santos. Quatro anjos tocam suas trombetas e os mortos sem da terra ressuscitados

No Inferno, a eterna tortura dos pecadores atormentados e torturados pelos demônios.

Por fim, a Glória para os que merecerem. Recebidos por Pedro e por um anjo, entram nus pela porta do céu onde poderão contemplar o Trono de Deus, ouvindo a música tocadas por anjos.

Há também inscrições exteriores ao círculo. Acima dele: Gens absque consilio est et sine prudentia utinam saperent et intelligerent ac novissima providerent Tradução: "É um povo sem juízo e sem prudência; oxalá fossem sábios, compreendessem e pensassem no seu fim." Essa frase vem de Deuteronômio 32:28-29 na Bíblia (Vulgata), e é tipo um alerta: a humanidade tá agindo sem pensar nas consequências, sem considerar o "fim" (morte, julgamento, etc.). Abaixo do círculo: Abscondam faciem meam ab eis et considerabo novissima eorum. Tradução: "Esconderei meu rosto deles e verei qual será o seu fim." Também tirada do Deuteronômio 32:20, essa parte reforça a ideia de Deus observando e julgando as ações humanas.

Eu não teria como descrever tudo o que se vê em cada detalhe desta obra magnífica. Creio que Bosch pintou o que já existe em todos nós, o produto de uma cultura centenária que se materializa na ponta do pincel de um dos maiores gênios que já passou por esse mundo e, sem dúvida, um dos maiores mestres do Imaginário de todos os tempos.

Recomendo a todos que procurem ampliar a imagem que ilustra esta postagem e que está disponível também na Wikipedia (hiperlink aqui).

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