Algumas Palavras sobre o Misticismo


De tudo o que consegui ver, ler, sentir e perceber desse estranho universo do misticismo, nada me chamou mais atenção do que o fato de saber que a chamada Tradição não evolui nem se desenvolve. É fixa, apresenta-se como algo inteiramente constituído, com seus princípios, regras e técnicas operativas que, esses sim, ajustam-se temporal e individualmente. A Tradição também não tem dono, não é propriedade de ninguém. Ela se transmite. Não é nem pode ser ensinada formalmente e, de preferência, é através do contato com uma complexa simbologia que se dá a transmição desse conhecimento dito oculto, ou velado à curiosidade dos profanos.
Variam os modos de expressão, variam alguns aspectos da doutrina, mas nada de novo existe para ser descoberto, a não ser no interior daquele que se deixa levar pela simbologia.
Isso significa afirmar que a Tradição não tem propriamente uma história, pois a sua história se confunde com a de seus adeptos e praticantes. Sem dúvida, pode-se segui-la ao longo do tempo, através das práticas, dos ritos, das liturgias manifestadas pelos adeptos que, quer a Tradição, integram uma cadeia. Daí a idéia de que o Mestre, embora solitário em seu mestrado, disponha de recursos que não se limitam ao seu saber individual, pois que também lhe está aberta a cortina ou a passagem que lhe permitirá ter acesso a toda corrente de saber integrada por mestres e discípulos, a chamada cadeia de união, pois nada se perde no domínio das idéias.
Em toda parte, essa filosofia mística traz consigo certas convicções. Dentre elas, a crença numa visão que tudo revela, em oposição aos discursos analíticos que ficam apenas na periferia da realidade. A única realidade que o místico conhece é a sua realidade interior, que ele percebe. Essa visão se traduz como um saber repentino, penetrante, absoluto e inquestionável. Um saber coercivo, que se impõe, onde o mundo exterior perde solidez e apenas a percepção interna, em perfeita solidão, parece completa e confiável. O místico não se satisfaz com o saber comum. Para ele, tudo é apenas uma aparência a ser desvendada e penetrada. Há sempre um mistério, um saber oculto que, quando alcançado, dá ao místico a sensação de absoluta certeza nessa espécie de revelação. Comumente, esse estado tem o nome de iluminação, um modo de conhecer que prescinde dos sentidos, onde a razão e a análise são descartados como guias cegos. Vale para o místico apenas sua realidade interior, e é dela que lhe surgem todas as certezas sobre as quais elabora sua forma de lidar com o mundo, visto este como uma unidade, onde não pode haver desarmonia, o bem e o mal aí não passando de aparência enganosa ou ilusória, assim como o tempo, que não conta em nada no transe místico. Ser uno com universo é uma resultante desse estado de iluminação.
Eu jamais negaria que existe, na maneira mística de sentir, uma sabedoria que lhe é peculiar e exclusiva. Só os místicos conseguem nos transmitir a idéia de que eles podem, sim, sustentar uma idéia sem amparo em qualquer prova, sentido ou evidência que não seja aquela percebida em sua visão interior. Essa obstinação orientou suas vidas e suas obras, e não é sem interesse nos debruçarmos sobre essa temática, ainda que apenas por mera curiosidade profana.