Última carta escrita por Oswald Wirth a l9 de janeiro de 1943


Não poderia ser questão de renunciar à Grande Obra, absorvida por um Ouroboros e digerida por ele. Nós somos ínfimos em relação ao Todo, mas nós aí temos nosso lugar e aí desempenhamos nossa função. Existe em cada um de nós um centro de atividades que se adapta ao emprego que lhe foi assinado. Tornamo-nos aquilo que somos em razão das necessidades do papel que temos de desempenhar, sem que o ator permanente se identifique com o personagem teatral que ele representa de modo transitório. O que é difícil é conhecermo-nos naquilo que somos por nós mesmos, independentemente da máscara que usamos em cena. Quem fomos nós na vida desconhecida que levamos antes de nos encarnarmos e quem seremos depois de nossa liberação do serviço terrestre?... Eu quero muito chegar ao outro lado inteiramente impregnado do papel que acabo de representar. Eu posso não querer me separar dos companheiros que continuam a ter seu papel na peça pelo desfecho da qual eu me interesso. Há liames de afeição que não se rompem entre centros de irradiações psíquicas.Eu creio no amor e em sua indestrutibilidade, quando ele é imaterial. Se eu amo os homens com os quais partilhei as misérias, ao mesmo tempo em que as mais nobres aspirações, eu não posso abandoná-los, uma vez saído dos palcos de luta da vida terrestre. Eu tenho, pois, esperança de permanecer em ligação, uma vez atravessada a última cortina, com aqueles cuja tarefa não está acabada... Recuso-me a renegar meu patriotismo terrestre. Nada de deserção diante da Obra da redenção humana. É amando que nós podemos ser felizes, e eu não vejo felicidade senão no amor que se dá e que contribui para o progresso particular e geral.Tenho a profunda convicção de que eu não estou enganado.

Oswald Wirth

Documento extraído da obra L'Imposition des Mains.