Aos loucos, todas as indulgências.
A nau dos insensatos é uma alegoria persistente no imaginário. Aqui aparece segundo a versão de Bosch, um dos mais instigantes mestres da pintura. A insensatez como sinônimo de loucura, alienação, coisas que, no cenário medieval, eram associadas ao pecado e, por isso, demonizadas. O louco medieval não pertencia ainda à categoria dos doentes, mas integrava a sociedade como uma espécie de pária, muitas vezes profeta, outras vezes, possesso. Era preciso normalizá-lo, adequando-o à linha de conduta vigente. Não existe loucura, apenas loucos, e neste amplo quadro cabiam e cabem ainda as mais vastas concepções de desajuste, desde os extáticos, passando pelos mansos e indo até os furiosos. A loucura tem uma história, e ela não é, de modo algum, a história dos loucos. Loucos não tem voz. São fundo, não forma. Bodes expiatórios que carregam em suas sacolas todas as negações que afligem aos normais, purificando-os de suas culpas. Loucos e criminosos devidamente isolados, seja pelo hospício, pelo cárcere ou pela medicação silenciam a inconsciência de todos nós.