Poucas divindades mitológicas são tão complexas quanto Baco, também conhecido pelos gregos como Dionísio. Deus do vinho, das festas e do êxtase, Baco encarna o dualismo: alegria e a destruição, a fertilidade e caos. Indulgente e permissivo, Baco é uma divindade muito humana e, por ser como é, opõe-se diretamente a Apolo, deus da ordem, da razão e das artes.
Foi celebrado sob muitos nomes que revelavam suas múltiplas facetas: Bromios, o estrondoso; Lenaeus, o deus do lagar de vinho: e Eleutherios, o libertador. Na mitologia, era filho de Zeus e Sêmele. Seu nascimento foi cercado de mistérios e tragédias. Após a morte prematura de Sêmele, Zeus costurou o feto de Dionísio em sua coxa até que ele estivesse pronto para nascer: origem inusitada que já lhe assinava um destino incomum. Baco viajou pelo mundo ensinando a arte do cultivo da videira e a produção do vinho. Todavia, não espalhou apenas a embriaguez, como também um culto que prometia transcendência e comunhão. Em seu séquito havia sátiros, ninfas e bacantes, mulheres que, em frenesi, o seguiam pelos bosques e montanhas, entregues ao êxtase. Suas celebrações, as Bacanais, eram rituais de abandono e transformação, de entrega à natureza primordial dos desejos.
Amálgama de contrastes, Baco é o deus da alegria e da festividade, mas também pode ser implacável e destrutivo. Suas festas, embora alegres, muitas vezes resultavam em caos e violência. Ele encarna a libertação das convenções sociais, mas também o perigo do excesso. Seu caráter multifacetado, explica sua associação ao arquétipo do Louco no Tarô Mitológico, que transcende normas e convenções sociais, agindo de maneira imprevisível e irreverente na busca do prazer.
A figura de Baco sempre inspirou artistas da antiguidade ao Renascimento e além. Um de seus retratos mais emblemáticos é o de Caravaggio.
Pintado entre 1595 e 1596, apresenta o deus do vinho como um jovem, talvez
ligeiramente embriagado, com uma taça de vinho em mãos, oferecendo-a ao
observador. Um rosto pálido com olhos semicerrados sugerem sedução e lembram a efemeridade do prazer, com luz e sombra acentuando a tensão
entre o mundano e o divino, a vida e a morte. Um quadro tão belo e complexo que tentei reproduzi-lo há alguns anos, quando pintava. Nessa versão, todavia, não aparece uma taça de vinho, mas um laço de fita preto seguro entre seus dedos da mão direita.
Baco continua a fascinar, seja como mito, seja por refletir toda complexidade da experiência humana, libertação e loucura, alegria e dor, ordem e caos.
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