Foi em um daqueles encontros espirituais onde eu estava por acaso. O Mestre me olhou nos olhos. Olhou-me com aquele olhar de quem conhece todos os segredos. Depois de uma longa e dramática pausa, disse-me: "A cura está ao seu alcance. Tudo que você precisa é alinhar sua energia com a do universo, livrar-se das toxinas e abraçar a plenitude de um corpo purificado." Não quis ser rude, afinal, ele só queria me ajudar. A receita? Incenso queimado em todos os cômodos da casa, uma dieta rigorosamente vegana e, claro, muita gratidão. A ideia era simples: transformar minha existência em um oásis de serenidade. Eu, com minha DPOC em fase avançada, só conseguia pensar: "Alcançar o nirvana assim vai ser mais rápido do que ele imagina."
Primeiro veio o incenso. O próprio Mestre me forneceu o material em copiosa quantidade. Tudo original, garantiu. Made in India. A recomendação era clara: "São incensos naturais, feitos com ervas sagradas e resinas puras. Eles transmutam energias negativas." O que o Mestre não explicou é que, na prática, isso significa transformar meu pulmão já debilitado em um reservatório de fumaça digna de uma floresta em chamas. Os vizinhos, preocupados, passaram a perguntar se algo estava pegando fogo. Mas tudo bem, eu estava em busca da cura, certo? Entre um ataque de tosse e outro, eu me lembrava de respirar fundo – ou pelo menos tentar.
Depois veio a dieta. "A
carne é densa, impede a expansão espiritual. Precisamos de leveza," disse
o Mestre, enquanto me entregava uma lista de substituições para meus bifes e
minha coca zero. Tofu, lentilha, espinafre. Confesso: eu tentei. Mas meu corpo,
acostumado a outro tipo de combustível, parecia protestar em silêncio. Aos
poucos, comecei a sonhar com bifes suculentos flutuando em um mar de molho de tomate. Sonhava com bacon também. Com churrasco. Na ânsia de alçar-me à "leveza", todavia, acabei ficando tão leve que quase evaporei.
E claro, havia a gratidão. Todas as noites, eu me sentava no tapete da sala, cercada pelo aroma “sagrado” do sétimo incenso do dia, para agradecer pela minha saúde, pela oportunidade de me purificar e por não ter desmaiado durante o jantar de salada de alface com sementinhas de quinoa por cima. Enquanto isso, o Mestre aparecia em minhas memórias, sereno e iluminado, como quem sabia exatamente o que fazia. E eu me perguntava: “Ele pratica tudo isso ou só me assiste tossir lá de longe?”
Guardadas as devidas proporções e com vênia -- ops! é o meu juridiquês, ok? -- às minhas hipérboles literárias,
sim, o ser humano é, de fato, fascinante. Estamos sempre prontos para buscar
soluções que desafiam a lógica. Queremos transcender, purificar, alinhar
chakras – mas muitas vezes acabamos atropelando a realidade do nosso próprio
corpo no processo. No meu caso, eu sabia que o incenso não ia curar a DPOC, que
tofu nunca seria bife e que talvez, apenas talvez, a plenitude não estivesse
escondida atrás de uma fumaça perfumada. Aliás, nem tanto.
Se algo aprendi com essa experiência foi o valor de manter os pés no chão enquanto exploramos o que nos faz bem. Talvez o Mestre tenha tido -- e não duvido -- as melhores intenções. Talvez ele apenas subestimasse o poder de um bom bife bem preparado e da alegria de abrir uma coca zero, geladinha, especialmente em dias quentes. O importante é lembrar que nem todas as receitas de cura universal são compatíveis com a realidade individual de cada um. Afinal, qual o valor da plenitude se você não puder saboreá-la ao máximo?
Hoje, ainda por aqui, sigo, rindo da lembrança do Mestre -- juro que ele era um fofo --, mas com minha Coca Zero na mão e com um bom e grande bife no prato. Quem sabe a paz não esteja justamente nesse equilíbrio? Porque se o nirvana for à base de tofu e de fumaça de ervas, sinceramente, eu passo.
Imagem: IA criou para você
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