Leio de tudo. Dos clássicos e acadêmicos até almanaques populares e bulas de remédio. Excluindo revistas em quadrinhos, devoro qualquer tipo de literatura, mesmo aquela vista como dejeto cultural. Certamente já li e escrevi muita coisa, traduzi outras tantas, e meus arquivos estão cheios de traças que vieram das alturas do Himalaia. Este blog, então, vai ser o canal de saberes fragmentados, oficiais e oficiosos, que os Mestres do Imaginário oferecem a nossa indiscrição.
Viver
Viver é sinônimo de agir. Todos os seres vivem para desempenhar uma função, uma tarefa lhes sendo imposta pelo próprio fato de eles existirem.
Nós vivemos apenas para trabalhar. O trabalho começa para nós, com efeito, desde nossa concepção. É preciso primeiro construir um organismo, ou seja, um instrumento que nos permitirá agir fora de nós mesmos.
O acabamento da ferramenta corporal e, depois, a entrada na posse deste relacionam-se à Aprendizagem. O indivíduo torna-se Companheiro desde que, possuindo plenamente a si mesmo, se sente disponível para uma nova tarefa, ou seja, para o trabalho efetivo ao qual é chamado.
Trabalhar como Companheiro é fazer obra de utilidade geral, é colocar-se a serviço da coletividade à qual o indivíduo se devota.
O Aprendiz permanece egoísta, no sentido em que trabalha sobre ele mesmo e persegue sempre seu próprio aperfeiçoamento. Ele aplica o preceito: a caridade bem ordenada começa por si. Para poder dar, é preciso adquirir, é preciso saber atrair para si, tomar e apropria-se.
Este egoísmo é obrigatório: ele é a raiz de todo devir. Todo ser individual se constitui às expensas de seu ambiente. Ele é constrangido a fazer-se o centro de um monopólio e a insurgir-se, de qualquer sorte, contra o conjunto das coisas, contra a vida universal, contra a corrente geral à qual ele opõe seu turbilhão particular.
Esta oposição, todavia, não está destinada a se perpetuar. Chega um tempo em que o indivíduo atinge seu máximo de crescimento, o meio-dia da vida . A coletividade da qual ele faz parte integrante reclama então seus direitos. Ela exige que o indivíduo, sem se esquecer de si mesmo e sem negligenciar sua própria conservação, tome cada vez mais consciência dos interesses gerais e saiba a estes últimos subordinar os seus.
Para receber seu salário na Coluna J.’., é preciso dar prova de uma forte energia interior colocada em si mesmo. Mas, após haver acumulado esta força, é necessário havê-la despendido generosamente para aproximar-se da Coluna B.’., onde não são recompensados senão aqueles que se fazem voluntariamente fracos, sacrificando-se.
O que acontece, no organismo, à célula que se cansa em benefício do conjunto? Ela esmorece momentaneamente, mas, de imediato, a economia geral vem em seu socorro; ela é reconfortada, à vista de um novo esforço e, longe de permanecer enfraquecida, revigora-se para a ação, progressivamente, na medida em que a exerce.
As coisas acontecem de maneira análoga para os indivíduos que sabem não viver apenas para si mesmo. Eles têm todo interesse em viver uma vida mais longa, que será aquela de seu ramo ancestral, de sua raça, de sua nação e finalmente de sua espécie, considerada como o ser coletivo do qual eles são as unidades componentes.
Do mesmo modo que o Aprendiz aspira a ver a luz, o Companheiro deve aplicar-se a viver realmente uma vida superior.
O. Wirth