Rituais Maçônicos

O que mais me incomoda em Maçonaria é a facilidade com que ela é encarada por alguns como sendo um sistema que se preste à magia, à manipulação de forças que se encontram fora do alcance do comum dos mortais, o caminho que conduz à imortalidade, a chave que abre as portas do sucesso, a panacéia universal que cura, faz e acontece. Já escrevi muito sobre isso e até mesmo criei um personagem, um Mestre Maçom absolutamente bizarro que aparece num romance que algum dia ainda termino de escrever. Mas, ― devo entender, ― tudo isso faz parte do próprio contexto lendário, do próprio caráter iniciático de sua doutrina que vem dissimulada sob símbolos cujo significado deve ser procurado, mas que nem sempre é encontrado. Não se conhece a Verdade, mas, nem por isso, ela nos atrai menos.

Já achei até mesmo quem chegasse a encontrar na simbologia maçônica a confirmação de complexos sistemas conexos ao tantrismo, onde o sexo entra em toda parte. Vêem o falo em qualquer lugar: no iod, no pedestal onde se ergue o Livro da Lei, por exemplo, a partir da opinião de que a Loja representaria o corpo de um homem deitado. Ao ouvir, respeitosamente, a explanação de tal teoria, ousei perguntar ao meu interlocutor se homem estava de deitado de barriga para cima ou para baixo. Bom, ele não me respondeu. Naturalmente, uma pergunta assim só poderia ter saído do cérebro de uma profana...

Ah! — dizem alguns, — maçonaria é magia, mas não é magia vulgar! É “alta magia”! Ah! São tradições antigas que se perderam na tal da “noite dos tempos”! Então vêm as explicações, as analogias, as relações planetárias, as suposições, as iluminações. São as buscas, as procuras, o exercício da Arte de Pensar! Tolerância é tudo. E, afinal, isso é maravilhosamente lúdico. Depois vêm os Mestres que teriam “contatado” os outros Mestres e deles recebido diretamente a “mensagem” ou a "luz". Vêm todos e despejam sobre nós suas impressões pessoais, suas convicções fanáticas, e tentam nos converter em crentes, isso quando não reúnem grupos internos e reclusos e pregam sua “doutrina”. Antes permanecer no escuro onde se tateia com algum êxito, do que cegar-se diante de alguma luz pirotécnica. Mas... como esse saber vêm muitas vezes de Mestres Maçons regularmente inscritos em uma Ordem, reconhecidos como "os tais" e com carteirinha "em dia", sabendo fazer os sinais, conhecendo os toques e as palavras, lá vêm eles! Deixemos que falem, que preguem, enfim!

Está certo! Isso tudo faz parte da coisa, afinal, a Maçonaria é única instituição que prevê sua própria queda. O Mestre observa o Ritual, chama a atenção dos obreiros a respeito de algumas relações, mas limita-se às instruções iniciáticas. Quando dá uma opinião pessoal, deixa bem claro que é pessoal. Ele não cruza os braços, todavia, nem mesmo diante do inevitável. Se a Tradição está morta, nem por isso desapareceu. Ele a resgata, e o faz, buscando-a em toda parte.

Muito bem. São duas atitudes: instruir os ignorantes, e não cruzar os braços diante do inevitável, ainda que este seja a resultante do sectarismo fanático, eis aí duas missões verdadeiramente desafiadoras. Instruir sem nada inculcar, quando se fala em termos rigorosamente maçônicos, constitui-se numa das mais espinhosas missões que se pode propor a um Mestre, porque ele deve se esquecer de quem é para agir como instrutor. Então, nenhuma de suas convicções pessoais, — sejam elas de ordem filosófica, política ou religiosa, — podem ser transmitidas aos seus Irmãos. Ele deve limitar-se a indicar o caminho mais seguro, e, antes de tudo, alertar sobre a necessidade de saber despojar-se dos metais. Esse caminho, entretanto, ele mesmo não pode vangloriar-se de conhecer bem. Não conhecer é ignorar; conhecer mal é errar. Tornar-se convicto do erro é fanatizar. Assim, o Mestre tentará sempre evitar o erro, especialmente o mais grosseiro, porque o erro é a própria verdade falseada.

Mas, se o erro é a própria verdade falseada, então, quando se está diante do erro, deve-se ter cautela ao agir. Não se trata de sentenciar simplesmente “fanatismo!” ou “ignorância!” e sair por aí desqualificando a tudo e a todos! Isso seria dar abrigo às ambições pessoais, coisa muito pior que ser ignorante ou fanático.

É que é mesmo muito difícil instruir sem inculcar. Além de Wirth, bem poucos conseguiram isso. As Instruções que constam no três Rituais empregados em Lojas Simbólicas são todas o fruto do trabalho de Oswald Wirth. Toda Maçonaria, tal e qual nós a conhecemos hoje, não apenas como uma Instituição em particular, mas em todas aquelas que se reconhecem como dignas de desfrutar da condição de Potências Irmãs em língua latina, todas elas apresentam aos seus membros instruções nos três graus elaboradas a partir do que nos deixou Oswald Wirth.

Onde eu entro nisso? Em parte alguma. Sou curiosa. Uma goteira. Conheci a Instituição a partir das instruções que encontrei em Rituais coletados em sebos e também junto a muitos membros da tribo que me são próximos e caros amigos. Fora disso, encontrei ainda muita coisa, é verdade, mas nem tudo poderia ser considerado tradicional, ainda que não procurasse por nada disso.

A melhor coisa que me aconteceu, em matéria de Maçonaria, foi ter tido a honra de resgatar Oswald Wirth do esquecimento junto ao meu pequeno círculo de amigos, de um silêncio que praticamente já se impunha sobre ele. Basta dizer que sua obra nunca foi traduzida para o português, omissão que tive a chance de reparar.

Poucos podiam ler o que ele escreveu, poucos sabem que as chamadas instruções foram compiladas por ele! Há maior credor de homenagem? Existe quem mereça mais respeito? Ele acompanha os neófitos desde sua Iniciação, e muitos nem mesmo sabem seu nome e conhecem o resto de sua obra. Wirth me entusiasma, enfim. Ironia do destino não ser eu daqueles “notáveis intelectuais” cuja sabedoria impõe silencioso respeito. Nem por isso me omiti. Com ou sem “intelectualidade”, foram mais de mil arquivos virtuais que andam por aí, assim como a tradução integral de “Os Mistérios da Arte Real” e, logo depois, do “Ideal Iniciático”, Tarô e outros que ainda estão por terminar.

O que há de mais próximo da objetividade, em matéria de Maçonaria, está nos Rituais. Se eles foram alterados, se eles sofreram acréscimos, se eles são ou não são de maior ou menor valia, isso não depõe contra o seu valor. Se devem ser retificados? Não sei. Mas “retificar” não é destruir! Ou será que ninguém mais se lembra do acróstico VITRIOL?

Confesso que jamais me ocorreu que eu seria testemunha de algo que vem acontecendo atualmente: a iniciativa de alguns em voltar ao catecismo, retirando dos Rituais as Instruções. Já vivi para ver a curiosa decisão que criou as “separatas”, mutilando o Ritual, mas ainda não ousando arrancar-lhe os membros. Apenas uma “paralisia” terapêutica parece, que visa a evitar a “curiosidade”, a sã curiosidade que leva os obreiros a ler as instruções, o que seria uma prática “nociva”. Parece que ninguém pensou que o pior que pode acontecer, não é o fato de um Aprendiz ler o Ritual, e isso quando ele lê! Ler o Ritual é algo que fará sempre em Loja! Ler o Ritual é instruir-se, é, no mínimo, ter maior intimidade com Maçonaria! Se não dispusesse dos Rituais e suas instruções? O que iria ler? Certamente, muitas “opiniões” pessoais, e muita coisa que, nem de longe, seria Maçonaria. O Rituais são a maior herança da instituição.

Sei que há muitos que até desprezam as Instruções como perfunctórias, primárias, insipientes. São opiniões que respeito. Já ouvi de alguns Mestres comentários pouco lisonjeiros a respeito das instruções que vieram acompanhados desta observação: — Já pensou, como iniciar na Maçonaria um ocultista “profundo”? O que ele pensará de nós ao ler esses Rituais? São ingênuos... — Pode-se ser maçom sem instrução? Claro que sim. Afinal, o homem é primeiro tornado maçom e só depois é instruído, não é mesmo?

Bem, eu me inclino pela preservação da herança que consiste nas tais ingênuas compilações chamadas Rituais. Eles merecem respeito. As tais Instruções são absolutamente perfeitas? Não. Sofreram alterações? Sim. Houve acréscimos? Existem imperfeições, erros, imprecisões? Sim, sim e sim! Mas nada disso depõem contra o conjunto das Tradições que ali se encontram compiladas! Nem por isso se vai agora defender a eliminação das Instruções, reduzindo os Rituais ao catecismo! O que seria de uma escola, como diz Wirth, onde os alunos iletrados resolvessem, em razão de sua ignorância, eliminar o alfabeto?