Perspectivas Contrastantes sobre a Sexualidade: Wilhelm Reich e Julius Evola

No século XX, dois pensadores proeminentes, Wilhelm Reich e Julius Evola, ofereceram visões contrastantes sobre a natureza da sexualidade humana e seu papel na sociedade e no desenvolvimento espiritual. Enquanto Reich defendia a liberação sexual como um meio de alcançar a saúde emocional e o bem-estar, Evola via a sexualidade como parte de uma busca espiritual mais ampla, direcionada para a transcendência espiritual. São posições paradoxais, direcionadas a diferentes visões acerca da natureza humana, razão por que seus autores merecem figurar entre os mestres do imaginário.

Wilhelm Reich, austríaco, nascido em 1897, foi um psicanalista e cientista social. Seu trabalho visava estabelecer relações entre saúde mental e sexualidade. Reich ficou conhecido por suas teorias sobre uma energia vital que ele acreditava permear o universo e influenciar a saúde física e mental. Defendia, assim, a liberação sexual não só como uma forma de emancipação social, mas também como um fator essencial à saúde.

Em sua obra "A Função do Orgasmo" (1942), sustentou que a repressão sexual levava a uma série de problemas físicos e mentais, como neuroses e distúrbios psicossomáticos. Segundo ele, o temor aos chamados maus instintos prejudicava a terapia psicanalítica. Os próprios psicanalistas — diz Reich — aceitavam, sem questionar, a existência de uma antítese entre natureza (instinto, sexualidade) e cultura (moralidade, trabalho dever), de sorte que concluíam que a sobrevivência dos impulsos estaria em desacordo com a cura do paciente. O próprio Reich afirma ter levado muito tempo para superar o seu medo a esses impulsos. Todavia, para ele, estava claro também que os impulsos antissociais somente eram perigosos e viciosos enquanto estivesse bloqueada a descarga de energia biológica por meio da sexualidade. Em termos da sociedade como um todo, haveria uma lacuna entre a ideologia social, a moralidade e a realidade, o que levaria as pessoas a suprimirem aquilo que havia mais belo e mais verdadeiro, que era realmente básico nelas mesmas. Reich enfatizava também a importância da igualdade de gênero e via a liberação sexual como um meio de alcançar a emancipação feminina.

Bem diferente será a visão de evoliana. Julius Evola, nascido em 1898 na Itália, foi um filósofo e escritor cujo trabalho abordava questões de espiritualidade, tradição e política. Evola defendia uma visão mais tradicional e hierárquica da sociedade, onde a sexualidade era vista como parte de uma busca espiritual mais elevada. Em sua obra "A Metafísica do Sexo" (1958), Evola distinguiu entre uma sexualidade "inferior", baseada em impulsos animais e prazer material, e uma sexualidade "superior", direcionada para a transcendência espiritual. Ele defendia uma visão mais tradicional e hierárquica da sociedade, onde a energia sexual era vista como parte de uma ordem social mais ampla baseada em hierarquias espirituais e sociais. Evola valorizava a feminilidade como uma qualidade a ser preservada e protegida, mas dentro de um contexto de uma ordem social e espiritual mais ampla.


Para Evola, além da sexualidade corrente, haveria um segundo domínio, muito mais relevante, porque correspondente às tradições que sacralizaram o sexo. Esse domínio incluía a magia sagrada, ritual e mística da união sexual e até da própria orgia, tomando por vezes formas coletivas e institucionais. Não se tratava mais da sexualidade “profana” como a vigente no que ele chama de o mundo moderno. Segunde ele, a sexo teria impregnado a esfera psíquica, produzindo nela uma gravitação constante e insistente no sentido da mulher e do amor. Isso teria gerado duas condições importantes, a saber, a primeira, uma excitação difusa e crônica, quase independente, na prática, da satisfação física concreta, porque perdurável como excitação psíquica; a segunda, a consequência desse erotismo que poderia até mesmo coexistir com uma castidade aparente. Reich chega a ser poético quando escreve que, da atração física, quando surge o impulso sexual, os extratos mais profundos do ser seriam despertados no nível mais elementar. Nesse domínio, as camadas profundas do ser só seriam atingidas e ativadas na união efetiva dos sexos. É verdade — afirma ele — que um amor puro pode também transcender o indivíduo; porém, somente como uma disposição espiritual: não numa experiência através dum ato, não numa sensação, mas quase que numa fratura real do ser. Citando Schiller, que disse que a paixão passa, e que o amor deve ficar, Evola lamenta esse lado pior no qual encontra um dos dramas da condição humana, pois, para ele, somente a paixão poderia conduzir ao momento fulgurante da unidade.

As visões de Wilhelm Reich e Julius Evola sobre a sexualidade, embora divergentes, são unânimes quanto à importância desse fator elementar na existência humana. São duas perspectivas contrastantes sobre o papel da sexualidade na sociedade e no desenvolvimento espiritual. Enquanto Reich via a liberação sexual como parte da busca pela emancipação e saúde, Evola via a sexualidade como parte de uma busca espiritual mais elevada. Suas visões divergentes continuam a provocar reflexão e debate sobre a natureza humana e o propósito da existência, razão pela qual a leitura das duas obras aqui comentadas, certamente, vai contribuir para uma melhor compreensão de questões cuja relevância é, sem dúvida, cada vez mais evidente, quanto mais no presente, quando questões de gênero e sexualidade permanecem em pauta.

 

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