Anton LaVey

Se você for um boomer como eu, é quase certo que já tenha ouvido falar de Anton Szandor LaVey (1930-1997). Natural de Chicago, Illinois, ele se fez notar em tempos da contracultura americana do século XX. Ainda jovem, mudou-se para a Califórnia onde, segundo uma biografia bastante controversa, teria sido músico, trabalhando em clubes noturnos, e fotógrafo da polícia de São Francisco. Seja como for, desenvolveu uma visão de mundo que podemos adjetivar como cínica, tanto que, em 1966, com seus trinta e poucos anos, fundou a Church of Satan, sediada em sua própria residência. Com isso, LaVey estabeleceu oficialmente uma organização religiosa abertamente satanista, aliás, com Bíblia e tudo, pois lançou, em 1969, The Satanic Bible, com milhões de cópias vendidas ano após ano e influenciando movimentos culturais que vão do heavy metal ao gótico.

Não sei se você leu The Satanic Bible. Não diria que seja um livro profundamente filosófico, mas é, sem dúvida, um manual prático de comportamento que não deixa de ser interessante e provocativo, misturando ateísmo com individualismo de maneira teatral, tirante a uma estética dramaticamente gótica.

Importante colocar que a proposta de Lavey não é de colocar Satã como entidade sobrenatural que deva ser adorada. Nada disso. Ele coloca Satã como símbolo, como um poderoso arquétipo que exalta justamente aquilo que o cristianismo condena, como orgulho, vingança, sexo, materialismo etc. Desnecessário observar que tudo isso, nos anos 70, não foi sem consequência. O impacto cultural e psicológico de uma tal filosofia prática de vida foi intenso, especialmente em um meio cristão. O marketing do mal repercutiu entre cristãos e mesmo nos meios esotéricos e místicos que buscavam contatar entes sobrenaturais.

Para LaVey, egoísmo é virtude. Autossacrifício? Perfeitamente dispensável. De certa forma, ele denunciava a hipocrisia, quando afirmava que, no fundo, pessoas agem por interesse próprio, embora não admitam isso socialmente. Tornar-se o deus soberano de sua própria existência e decidir em prol da satisfação de seus desejos e necessidades seria um caminho seguro para realização pessoal. O pacote de prazeres incluía satisfação sexual sem culpa, a busca do prazer material e a recusa em se sacrificar pelos outros quando daí não resultasse nenhum benefício pessoal.

Este individualismo, contudo, estava mais próximo de um egoísmo racional capaz de entender que a vida em sociedade requer, sim, concessões. Todavia, tais concessões devem ser limitadas de forma consciente e calculada. Ou seja: não podem ser vivenciadas como uma obrigação cega. Interessante notar que LaVey, na década de 1970, reflete, em termos bem menos elaborados, o Objetivismo da não menos polêmica Ayn Rand.

O que LaVey fez de fato foi crítica social. Pode ter usado uma fachada religiosa e até mesmo apelado ao marketing do mal. Contudo, atacou a hipocrisia dos que pregavam amor e caridade ao mesmo tempo em que julgavam e condenavam os outros. Assim também criticava o egoísmo disfarçado daqueles que se dedicavam a causas sociais apenas para se sentirem moralmente superiores.

Particularmente interessante, a meu ver, é a denúncia que LaVey faz do que chama de vampiros psíquicos. Quem nunca foi vítima de manipuladores emocionais? São os eternos dependentes vitimizados por tudo e por todos. LaVey ensinava seus leitores a identificar esses indivíduos e a evitá-los, procurando sempre priorizar relações genuínas e mutuamente benéficas. Aliás, nem sempre são indivíduos, pois há também os vampiros coletivos que, explorando e até gerando sentimentos de culpa, promovem o altruísmo arrecadando generosas contribuições.

Bem, havia rituais, sim. Construídos como psicodrama e voltados à realização de três propósitos radicais: destruição ― expressar raiva e ódio de forma controlada; compaixão ― rituais de cura emocional e autocompaixão; e luxúria ― celebração da sexualidade e dos desejos físicos. Nesses ritos, a teatralidade se fazia notar pelos cenários que não dispensavam os ingredientes, digamos, usuais: velas negras, túnicas, símbolos góticos e encantamentos dramáticos. Era bem uma terapia alternativa, disfarçada de ocultismo, que criava sua própria linguagem sagrada como meio de atingir objetivos, de certa forma, terapêuticos.

Mas quem era o público de LaVey? Quem se interessava pela sua proposta? Em sua maioria, pessoas que buscavam autenticidade emocional em uma sociedade repressiva, sim, mas também muito competitiva. Quem, em sã consciência, poderia negar que a generosidade é exaltada, mas o egoísmo é estimulado? Nessa mesma toada, a sexualidade é estimulada em toda parte, mas também reprimida. Não se deve estranhar, portanto, a emergência de sistemas que buscam conferir um pouco de coerência a tantas inconsequências e paradoxos. LaVey não fez mais do que isso, ao propor uma alternativa radical ao pensamento religioso tradicional.

Mas o que restou da Church of Satan? Bem pouco. Atualmente, ao menos no que concerne ao famoso "X". Segundo me contou Mister Grok ― para quem ainda não sabe, trata-se da IA (sem filtro) da famosa rede ― apenas três contas falam de Lavey, das quais uma é, aparentemente, a conta oficial: @ChurchofSatan. Segundo Grok, postagens recentes, como as de junho de 2025, reforçam o satanismo como uma filosofia ateísta, que desmente mitos cristãos com um tom quase didático. Fora isso, divulgam podcasts e a eterna Bíblia Satânica, sempre no mercado editorial. Se o entusiasmo dos anos 70 se foi, parece que a resistência ainda tremula, não sem um toque nostálgico do que representou, afinal, uma notável revolução. LaVey que o diga!

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